quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Religiosos que contrabandeavam diamantes no Brasil Colonial

As autoridades administrativas das regiões mineradoras do Brasil Colonial tinham horror à presença, em áreas sob sua jurisdição, de religiosos "peregrinos", para os quais as Ordenações do Reino traziam instrução enfática de que, como "clérigos revoltosos e travessos", fossem reconduzidos às respectivas Ordens religiosas. 
No vigiadíssimo Distrito Diamantino, onde quase tudo era proibido, o superintendente tinha ordens expressas para fazer sumir de lá todos os frades andarilhos que ousassem aparecer. É que, numa época em que a maioria da população tinha pouca ou nenhuma escolaridade, os frades chamavam para si o papel dar esclarecimentos indesejáveis aos interesses da Coroa, de acordo com o que explicou Joaquim Felício dos Santos nas suas Memórias do Distrito Diamantino:
"O ódio que o governo votava aos frades provinha principalmente de que estes diziam aos povos que os quintos, que eles pagavam, eram tributos e não direitos reais, como o governo se expressava em seus bandos." (¹)
Não obstante a ojeriza aos religiosos, eles acabavam entrando no Distrito Diamantino e - quem diria! - como contrabandistas de diamantes. Veremos o caso de dois deles, citados por Joaquim Felício dos Santos.
O primeiro era um certo padre Plácido, que, entre uma ocupação religiosa e outra, negociava escravos (²), mas que, ao que parece, tinha atividade ainda mais rendosa: "E sendo este padre assaz conhecido neste dito arraial por contrabandista de diamantes..." (³)
O outro era frei Joaquim, que, além de andar envolvido em negócios ilícitos com diamantes, ainda dava razão aos temores da administração colonial, já que recebia em sua casa a gente do Distrito Diamantino que, irritada com os desmandos a que estava submetida, tramava uma rebelião:
"Quotidianamente formavam-se reuniões secretas para deliberar-se sobre os meios mais convenientes a sacudir o jugo, que por tanto tempo pesava sobre nós. Estas reuniões faziam-se na casa denominada do Hospício, na rua do mesmo nome, onde residia um célebre frei Joaquim, cobrador da Terra Santa, homem de grande importância, e afamado contrabandista, pelo que diz a tradição." (⁴)
Parece, leitores, que a vigilância não funcionava conforme esperado, não é mesmo? A severidade dos intendentes, respaldada pelos regulamentos do Regimento Diamantino (o "livro da capa verde") não garantia a produção desejada; os métodos de extração eram antiquados e deficientes, e o sistema de exploração, para benefício exclusivo da Coroa, com o passar dos anos provar-se-ia um enorme fracasso.

(1) SANTOS, Joaquim Felício dos. Memórias do Distrito Diamantino da Comarca do Serro Frio. Rio de Janeiro: Typographia Americana, 1868, p. 32.
(2) As Ordenações do Reino proibiam aos religiosos o exercício de atividades comerciais, julgadas incompatíveis com a vida dedicada à Igreja que tinham por obrigação levar, em razão de seus votos. Tem-se, portanto, um exemplo acabado de que ninguém proíbe aquilo que não se faz.
(3) SANTOS, Joaquim Felício dos. Op. Cit., p. 207.
(4) Ibid., p. 251.


Veja também:

2 comentários:

  1. Adorei a descrição do frei Joaquim, havia ali um quê de admiração em relação às capacidade de contrabando do religioso. E, hoje, quantos religiosos, pastores e afins, não usam a sua posição para proveito próprio (financeiramente falando)?
    Mudam-se os tempos, mas vontades...
    Beijinhos, uma linda semana
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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    Respostas
    1. Mas não se pode descartar a importância social desses indivíduos, já que esclareciam o povo comum quanto às atitudes de verdadeira exploração por parte das autoridades. De resto, contrabandistas não andavam em falta no Distrito Diamantino, atraídos, até curiosamente, pelo exagero das proibições. Talvez, para eles, a transgressão tivesse um certo charme.

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