O padre José de Anchieta passava noites copiando, à mão, as lições que seus alunos precisariam estudar - já falei sobre isso aqui no blog, ao tratar do ensino e catequese na Capitania de São Vicente. Mas ele não foi o único que recorreu às cópias manuscritas quando havia necessidade de multiplicar algum texto para uso no Brasil. Não havendo nem impressoras e nem trabalhadores gráficos (¹), o material necessário à catequese era pacientemente copiado pelos missionários. Em explicação dada pelo padre Antônio Vieira ao Provincial jesuíta do Brasil, através de uma carta datada de 22 de maio de 1653, somos informados de que um catecismo simplificado estava em uso para doutrinação dos indígenas - em contato com culturas ameríndias muito diferentes da sua, os missionários tinham dificuldade em explicar alguns conceitos a seus catecúmenos - e, para multiplicar o dito catecismo, era necessário, literalmente, pôr mãos à obra:
"Não sendo [os indígenas] capazes de catecismo tão dilatado e miúdo como é o geral que anda impresso, tomamos dele as coisas mais substanciais e fizemos outro catecismo recopilado, em que, por muito breve e claro estilo, estão dispostos os mistérios necessários à salvação, e este é o que se ensina." (²)
Como se conclui que o catecismo resumido era manuscrito? Deixemos que Vieira prossiga:
"Além deste catecismo breve, fizemos outro brevíssimo para nos casos de maior necessidade se poder batizar um gentio (³), e ajudar a bem morrer um batizado, dos quais se têm pedido cópias para os lugares onde não estamos, e se começam a fazer algumas; mas porque é quase impossível escreverem-se os muitos que são necessários, na primeira monção (⁴) determinamos de os mandar imprimir em grande quantidade, para que se possam repartir por todos os moradores, e cada um ensinar aos seus índios, e instruí-los em falta de sacerdotes para o batismo e para a morte." (⁵)
Percebe-se que Vieira assumia que muitos colonizadores eram "donos" de índios, e, pragmático, tencionava, com a distribuição dos catecismos, obter alguma ajuda na doutrinação dos cativos, ciente de que os padres de sua Ordem, sendo pouco numerosos, não podiam dar conta de todo o trabalho; ainda que jesuítas, por princípio, combatessem a escravização de ameríndios, não eram contrários ao cativeiro dos aprisionados em "guerras justas", feitas, inclusive, contra aqueles que se opunham ou se recusavam a receber a catequese.
(1) Quem quer que se dê ao trabalho de folhear livros impressos em Portugal entre os Séculos XVI e XVIII, logo perceberá que as obras eram precedidas por várias páginas com permissões para impressão, expedidas por autoridades civis e eclesiásticas. Sem as ditas autorizações nenhum livro podia ser impresso ou vendido. Além do custo inerente à impressão das cópias, toda essa burocracia desencorajava a multiplicação de edições e a livre circulação das ideias.
(2) MORAES, José de S.J. História da Companhia de Jesus na Extinta Província do Maranhão e Pará. Rio de Janeiro: Typographia do Commercio, 1860, p. 328.
(3) Era assim que os missionários se referiam aos indígenas ainda não batizados.
(4) Monção, aqui, é referência à época do ano favorável à navegação, quando era possível cruzar o Atlântico. Esperava-se, portanto, a ocasião propícia para que alguém, indo a Portugal, encomendasse cópias impressas dos catecismos simplificados em uso no Brasil.
(5) MORAES, José de S.J. Op. cit.
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