A julgar pelo testemunho de jornais e obras literárias, o dia 7 de setembro, data oficial da Independência do Brasil, era bastante comemorado no Século XIX. Os acontecimentos relacionados à emancipação política eram recentes, e, embora os anos do Primeiro Reinado e do Período Regencial não tenham sido lá muito fáceis, havia certo entusiasmo nacionalista, que resultava em paradas militares que todo mundo queria ver, cerimônias religiosas com alguma pompa e, à noite, bailes nos quais a oficialidade da Guarda Nacional tinha um pretexto para aparecer em uniforme (¹).
Nas ruas... Bem, nas ruas, não era nada incomum que houvesse confronto entre brasileiros e portugueses residentes no Brasil. Pode até parecer uma puerilidade, mas, às vezes, as vulgares provocações degeneravam em pancadaria e a polícia precisava intervir. O tempo, felizmente, se encarregou de acabar com essas tolices.
Era setembro de 1858, e o pintor Auguste François Biard, de nacionalidade francesa, estava no Rio de Janeiro. Teve, portanto, ocasião de presenciar os festejos relativos à Independência. Malgrado o sarcasmo e mau humor que transbordam de seus escritos, é significativo o registro que fez de um fato muito interessante: os escravos comemoravam entusiasticamente a data. Escreveu, então:
"Estávamos a 7 de setembro, e todo o Rio se alvoroçou. Era a data da Independência do Brasil; por uma coincidência haveria também um eclipse do Sol. Centenas de negros gritavam por toda parte: "Viva a Independência do Brasil". Deste modo, sem compreender as próprias palavras pronunciadas, os pobres negros festejavam a liberdade de um povo de que eram escravos. Não se precisa acrescentar que nesse dia não faltaram nem os foguetes nem as petecas que estragaram muitas roupas." (²)
Tenho a curiosidade de saber como foi que Biard concluiu que os escravos não entendiam o significado da data, ainda que não tenha nenhuma dúvida de que, entre a população em geral, de condição livre, houvesse muita gente incapaz de atinar com as implicações políticas e econômicas da Independência. Mas, voltando à alegria dos escravizados, não se pode deixar de indagar por que eles, que, na condição de cativos, não tinham direitos de cidadania, mostravam satisfação em comemorar um acontecimento que, nesse sentido, talvez só tivesse importância para os livres. Será que simplesmente entravam no espírito da alegria geral? Ou estariam felizes porque, sendo feriado, eram, ao menos na capital do Império, dispensados de trabalhar? E quem é que pode julgar se, mesmo sob os grilhões do cativeiro, não teriam, afinal, algum sentimento de identificação com o Brasil?
Podem especular à vontade, leitores. Vejam, no entanto, o quanto foi (e é) difícil forjar um país coeso em meio a tanta injustiça e disparidade.
(1) Sobre o uso do uniforme pela Guarda Nacional, veja a postagem "Uma visão da sociedade no Império, através de um anúncio de jornal", publicada em 25 de setembro de 2012.
(2) BIARD, Auguste François. Dois Anos no Brasil. Brasília: Ed. Senado Federal, 2004, p. 47.
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