domingo, 2 de março de 2014

A criatividade dos jesuítas para preservar valores religiosos no Brasil Colonial

É proverbial o relaxamento dos costumes, no que tange à religião (¹), que andava em vigor no Brasil Colonial. Para combater essa situação, os padres enviados para a catequese de nativos e para assistência espiritual aos que vinham da Europa precisavam exercitar, como veremos, uma certa criatividade.
Em carta escrita em Piratininga e datada de 1554, Anchieta explicava o método de que se fazia uso na Capitania do Espírito Santo para evitar que fossem proferidos juramentos irrefletidos ou que se pronunciasse o nome de Deus sem o devido cuidado:
"Para que os homens se dissuadissem dos juramentos, estabeleceu-se uma como confraria de caridade; os que a ela se filiarem, se quando jurarem, a si mesmos se acusarem, pagam uma determinada quantia de dinheiro para o casamento de alguma órfã (²); acusados, porém, por outros, pagam o dobro; assim, raramente se pronuncia o nome de Deus com irreverência [...]." (³)
Ideia interessante, essa...
Singular ideia, no entanto, foi a que teve o Padre Manuel da Nóbrega, já cansado de repreender um padre que não levava a sério seu voto de castidade - é ainda Anchieta quem relata, ao traçar a biografia do Padre Nóbrega:
"Tendo avisado por vezes a um clérigo escandaloso, como se não emendasse, sabendo o Padre estar com a ocasião do seu pecado (⁴), se foi à porta da casa, gritando a grandes vozes que acudisse gente, que estavam ali crucificando a Cristo. Acudiu gente e ficaram tão espantados os dois pecadores que se apartaram e cessou o escândalo." (⁵)
Ora, senhores leitores, tentem imaginar a situação! Chega a ser espantoso que, como diz Anchieta, cessasse o escândalo?

(1) E não somente à religião.
(2) Ou seja, para que se constituísse um dote que permitisse a uma órfã casar-se, já que naqueles tempos, e muito além, nenhuma mulher que não dispusesse de um dote razoável conseguia contrair matrimônio.
(3) ANCHIETA, Pe. Joseph de S.J. Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1933, p. 37.
(4) Interessante eufemismo.
(5) ANCHIETA, Pe. Joseph de S.J. Op. cit., p. 471.


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2 comentários:

  1. Muito interessante! Quantos escândalos foram abafados "por trás dos panos", literalmente. Fui educada na religião católica e sabia de tantas, de certos padrecos...

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  2. Olá, Lúcia, acho que o problema não está com as religiões ou com os clérigos, em geral. Infelizmente, é coisa da natureza humana. Há gente ética e moralmente exemplar dentro e fora das práticas religiosas, bem como gente imprestável, que usa o nome e a condição religiosa para péssimas finalidades. No caso do assunto abordado na postagem acima, há que se elogiar a conduta do Padre Manuel da Nóbrega, que levava a sério seus votos; há que se lamentar, no entanto, aqueles que, em todas as épocas, têm usado a "fachada" de clérigos indevidamente.

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