terça-feira, 24 de novembro de 2020

Lei sobre a obrigatoriedade da instrução primária em São Paulo em 1857

Embora não fosse tratada com tanta atenção como merecia, a questão da obrigatoriedade da instrução primária para toda a população foi, aos poucos, ganhando importância no Brasil. Publicou-se na Província de São Paulo em 1857 o Código de Instrução Pública da Província de São Paulo, cujo Artigo 51 dizia:
"O ensino primário é obrigatório para todos os menores de 7 a 15 anos, que residirem dentro do raio de um quarto de légua da povoação, onde houver escola pública, ou particular subsidiada."
A légua era uma unidade de medida um tanto variável, porém em São Paulo a légua terrestre era equivalente a seis quilômetros. Portanto, tomando essa distância como base, quem morasse a mais de mil e quinhentos metros de uma escola estava desobrigado de mandar os filhos às aulas. Como nesse tempo a maior parte da população residia em áreas rurais, ia a obrigatoriedade, em grande parte, por água abaixo. 
Mas não era só. Dizia o Artigo 163: 
"Não serão admitidas à matrícula, nem à frequência das escolas:
1º Os escravos.
2º Os que sofrem moléstias contagiosas."
Para quem sabe qual era a importância numérica da população escrava em São Paulo nesse tempo, maiores comentários são dispensáveis. 
No entanto, esse Código tinha algumas virtudes. Uma delas era a obrigatoriedade da instrução primária, ainda que nas condições já citadas, inclusive para as meninas. Além disso, havia, ao menos formalmente, um elemento de coerção para pais que julgassem ser dispensável aos filhos e filhas os conhecimentos básicos de escrita e aritmética: era, para esses, prescrita uma multa. Outra providência salutar era a exigência de vacinação contra varíola para que uma criança ou adolescente frequentasse as aulas, conforme dizia o Artigo 164:
"No ato da matrícula o professor verificará se o aluno foi ou não vacinado, e no caso negativo dará parte à autoridade competente para fazê-lo vacinar."
Como essa vacina deixa na pele uma marca característica, era fácil ao professor, ao admitir um novo aluno, verificar se fora vacinado (*).
Satisfeitas essas exigências, os alunos podiam e deviam ir às aulas que, como regra geral, não primavam pela modernidade pedagógica. As disciplinas eram poucas, e seu programa, restrito, conforme se vê no Artigo 39 do Código de Instrução Pública:
"A instrução primária tem por objeto as seguintes matérias:
§ 1º A instrução moral e religiosa.
§ 2º A leitura.
§ 3º A escrita.
§ 4º As noções elementares de gramática nacional.
§ 5º As principais operações práticas da aritmética.
§ 6ª O sistema de pesos e medidas da Província."
A ênfase no ensino religioso explica-se por ter o Brasil, durante o Império, uma religião oficial. No dia a dia, de palmatória em riste, professores e professoras tratavam de ensinar como podiam, em classes multisseriadas e separadas por sexo, com material didático escasso e em instalações às vezes precárias. Poucas escolas tinham a honra de ser um paraíso para a infância.

(*) A prática da vacinação contra varíola era corrente no Brasil muito antes de 1857. Não há razão, portanto, para a alegação tão frequente, na tentativa de justificar a chamada Revolta da Vacina, ocorrida em 1904, de uma suposta ignorância da população quanto ao que era e para que servia a vacina.


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2 comentários:

  1. Eis um tema que me desperta sempre curiosidade.
    Coíbo-me de, neste comentário, invocar o contexto da época para explicar tais números (a Marta sabe, eu penso que sei as causas...), preferindo concentrar-me nas causas que levaram a que se começasse a implantar (forçosamente?) essa política. Eis um pano para tantas mangas! :)

    Um excelente domingo, Marta :)

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    1. Sempre houve, felizmente, quem julgasse, no exercício do poder, que era sua obrigação zelar pela instrução pública. Havia, também, a filantropia, mas as políticas para alfabetização e obrigatoriedade da instrução primária tinham, além disso, muitas outras causas, e, entre elas, a pressão da sociedade por trabalhadores mais qualificados, que fossem, ao menos, capazes de ler instruções em suas atividades. A industrialização, ainda que incipiente na época, demandava gente que frequentasse a escola, e as previsões quanto às necessidades futuras, nesse sentido, não estavam erradas.

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