terça-feira, 3 de novembro de 2020

Como mães indígenas cuidavam de seus bebês

"A jovem mãe passou aos ombros a larga faixa de macio algodão, que fabricara para trazer o filho sempre unido ao flanco; e seguiu pela areia o rastro do esposo, que há três sóis se partira. Ela caminhava docemente para não despertar a criancinha, adormecida como o passarinho sob a asa materna."
José de Alencar, Iracema

Faixa indígena usada
para carregar bebê (³)
Por sua simplicidade, aspectos práticos da vida em comunidades indígenas intrigaram europeus que vieram ao Brasil nos Séculos XVI e XVII. Yves d'Évreux (¹), um capuchinho francês que esteve na França Equinocial, fracassada tentativa francesa de colonização no Brasil, assim descreveu o modo como mães indígenas cuidavam de seus bebês:
"A natureza, boa mãe destes selvagens, quis que o menino saído do ventre de sua mãe, se achasse em estado de receber em si as primeiras sementes do natural comum destes selvagens, porque não é afagado, pensado, aquecido, bem-nutrido, bem-tratado, nem confiado aos cuidados de alguma ama, e sim apenas lavado em algum riacho ou nalguma vasilha com água, deitado numa redezinha de algodão, com todos os seus membros em plena liberdade, nus inteiramente, tendo por único alimento o leite de sua mãe e grãos de milho assados, mastigados por ela até ficarem reduzidos a farinha, amassados com saliva em forma de caldo, e postos em sua boquinha como costumam fazer os pássaros com sua prole, isto é, passando de boca para boca." (²)
Nesta passagem D'Évreux estava comparando o cuidado dispensado às crianças indígenas ao modo como o pequenos eram tratados na Europa de seu tempo. A convivência com indígenas lhe dava autoridade para confrontar realidades tão distintas. Não se pode negar que, à vista do que afirmou, cada mãe indígena adotava procedimentos em conformidade com o modo de vida da respectiva etnia, adequados à natureza do lugar e às técnicas de sobrevivência que seu grupo dominava.  
D'Évreux interpretava todo o vigor físico dos indígenas quando adultos como um favor da natureza: "[...] tendo a natureza, por longos anos, recusado vestidos aos corpos dos índios, os compensara formando-os belos e agradáveis, sem o menor auxílio de suas mães, que apenas os lavam e carregam como se fosse qualquer pedaço de pau" (⁴). Entretanto, outro religioso, o jesuíta Simão de Vasconcelos, autor seiscentista assim como Yves d'Évreux, entendeu que o modo como indígenas criavam os filhos resultava em adultos de mais saúde: "[...] São de ordinário corpulentos, robustos, forçosos, e para que mais o sejam, os atam pelas pernas, quando nascem, com certas faixas [...], com que depois de grandes ficam mais vigorosos" (⁵). Sim, havia mortalidade infantil entre eles, mas não havia, também, e bastante elevada, entre os pequenos que, na época, vinham ao mundo em lares europeus? 

(1) Embora alguns relatos digam o contrário, Yves d'Évreux veio como superior dos quatro capuchinhos destinados à colônia francesa no Maranhão, onde permaneceu entre 1613 e 1614.
(2) D'ÉVREUX, Yves O. F. M. Viagem ao Norte do Brasil Feita nos Anos de 1613 a 1614. Maranhão: Typ. do Frias, 1874, p. 72.
(3) Essa faixa pertence ao acervo do Memorial dos Povos Indígenas (Brasília - DF).
(4) D'ÉVREUX, Yves O. F. M. Op, cit., p. 95.
(5) VASCONCELOS, Simão de S. J. Vida do Padre João de Almeida. Lisboa: Oficina Craesbeeckiana, 1658, p. 15.

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