sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Nem ouro e nem prata: a expedição de Dom Rodrigo de Castel Blanco

Como podia ser que houvesse ouro e prata em terras de Espanha na América, enquanto que no Brasil quase nada se encontrava? A questão intrigava a Coroa portuguesa. Mandou-se, então ao Brasil, no ano de 1673, um indivíduo supostamente capaz de realizar os tão esperados descobrimentos: era ele Dom Rodrigo de Castel Blanco (¹), espanhol de nascimento. Vinha com o pomposo título de "Governador e Administrador-Geral das Minas" (que ninguém sabia, ainda, onde é que estavam). Por tão notável cargo, além da ótima remuneração, seria acompanhado por um ajudante, Jorge Soares de Macedo.
De acordo com o que registrou Pedro Taques de Almeida Paes Leme na Nobiliarchia Paulistana, as buscas começaram pela Bahia. Castel Blanco e Soares de Macedo andaram por vários lugares entre 1674 e 1678. Resultado? Nadinha, só despesas ao erário público.
Mas era preciso continuar. Passaram pelo Rio de Janeiro no segundo semestre de 1678, em companhia de funcionários administrativos e soldados. Nada, de novo. Foram a Santos, ainda em 1678, porque a ideia era seguir para o sul, na suposição de que lá seriam achadas minas de prata. Em abril de 1680 voltava D. Rodrigo de Castel Blanco a Santos, depois de haver estado em Paranaguá. Outra vez, sem resultados favoráveis. As parcas jazidas da localidade já eram conhecidas dos paulistas. Restava tentar a busca na região denominada Sabarabuçu.
Em São Paulo, os rústicos bandeirantes, acostumados às manhas do sertão, sugeriram que, antes da partida da expedição, fossem mandados homens que estabelecessem roças, evitando que a falta de alimentos constituísse empecilho às descobertas. Diz a Nobiliarchia:
"[...] Matias Cardoso de Almeida, Jerônimo de Camargo, Antônio de Siqueira de Mendonça, Pedro da Rocha Pimentel e outros paulistas mais, todos foram de voto que se devia mandar plantar os sítios que nomeados e assinalados fossem, para quando chegasse a tropa terem mantimentos prontos para o necessário sustento no sertão [...]."
Aceito o conselho, e ciente de que seu famoso ajudante Jorge Soares de Macedo fora aprisionado em Buenos Aires, Rodrigo de Castel Blanco decidiu levar consigo um dos paulistas que fosse experiente em tratar com os indígenas, sendo escolhido Matias Cardoso de Almeida.
No entanto, a expedição não saía. Sendo já março de 1681, o "especialista" em minas João Alves Coutinho, que viera com Castel Blanco, tudo fazia para retardar a partida, alegando velhice (teria sessenta e oito anos) e doença. Foi chamado a dar explicações à Câmara de São Paulo, diante da qual, segundo a Nobiliarchia, "disse que já não tinha dentes, e se achava muito impossibilitado para andar pelo sertão, porém que assim mesmo se sacrificaria a ir"
Talvez restasse dúvida quanto à seriedade do que dizia Coutinho, porquanto, nessa mesma ocasião, Matias Cardoso de Almeida fez registrar nas Atas da Câmara "que se obrigava a conduzir o mineiro João Alves Coutinho em rede, nos ombros de sessenta índios seus administrados que para isso oferecia, e de lhe assistir com todo o necessário sustento no sertão [...]."
Diante de tamanha comodidade, a expedição deixou São Paulo, rumo a Sabarabuçu, em maio de 1681. Iam nela os sessenta índios prometidos para carregar João Alves Coutinho, outros sessenta que levavam os pertences de Dom Rodrigo de Castel Blanco e ainda outros cento e vinte indígenas, mandados ao sertão "para o trabalho das minas". Iam, também, alguns paulistas experimentados como bandeirantes. 
Porém, havia mais.
Entre os suprimentos para toda essa gente, iam, segundo a Nobiliarchia, "de farinha de trigo três mil alqueires; de carne de porco, três mil arrobas; de feijão, cem alqueires; de pano de algodão, oito mil varas; fio de algodão torcido de três, trinta e oito arrobas; de fio de algodão singelo, duas arrobas." 
Quem carregava tudo isso? Duzentos índios. Não havia caminhos que possibilitassem o uso de animais de carga.
Tentem imaginar, leitores, essa multidão, movendo-se lentamente pelas matas, à medida que os que iam à frente, com facões e outras ferramentas, abriam passagem...
Chegaram, por fim, ao Arraial do Sumidouro, por onde andava a gente de Garcia Rodrigues Paes (²). Se pudermos crer no que diz a Nobiliarchia, Castel Blanco não mostrava o mínimo empenho para novas descobertas, fato que levou Matias Cardoso de Almeida a informar, em correspondência enviada ao Reino, que nada se esperasse de tal explorador. Veio ordem para que o Governador e Administrador-Geral das Minas retornasse de imediato a Portugal. Mas, à chegada do documento, Castel Blanco já não podia ser contado entre os viventes. Pedro Taques, por suposto tomando o partido do bandeirante Manuel de Borba Gato, contou:
"Com alguma liberdade lhe estranhou o dito Borba o amortecimento em que se conservava desde que chegara àquele sertão, aplicando-se só a mandar fazer caçadas de aves e animais terrestres para o regalo e grandeza da sua mesa, e travando-se de razões menos comedidas, o sobredito Borba se precipitou tão arrebatado de furor, que dando em D. Rodrigo um violento empurrão o deitou ao fundo de uma alta cata, na qual caiu morto."
Não é tudo, leitores. Talvez porque quisesse valorizar paulistas como os verdadeiros descobridores de minas, Pedro Taques faria ainda um rude balanço das pesquisas de Castel Blanco, entendendo que "o efeito dessas grandes esperanças só ficou infalível no consumo das grossas despesas da Real Fazenda, porque o tal D. Rodrigo foi um patarata que só entreteve o tempo aproveitando-se das honras que desfrutou e dos dinheiros que com liberalidade consumiu". Inequívoco contraste, portanto, em relação a Matias Cardoso de Almeida, o paulista que, nomeado tenente-general para a última parte da expedição (³), não recebeu qualquer subvenção oficial por seus serviços.

(1) É usual a grafia "Castelblanco", mas adotei a de "Castel Blanco" por ser a que aparece na Nobiliarchia Paulistana.
(2) Filho do chamado "caçador de esmeraldas", Fernão Dias Paes.
(3) De São Paulo ao Arraial do Sumidouro.


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