Ciro, rei dos persas, é famoso por ter liderado a conquista da riquíssima Babilônia em 539 a.C., mas é também conhecido por ter adotado uma política mais suave, em relação aos povos dominados, do que a praticada habitualmente em seus dias. O sucessor de Ciro foi seu filho Cambises, e, se devemos dar crédito ao que disse Heródoto, não poderíamos, em relação a ele, usar o dito de que "tal pai, tal filho".
Na corte persa o cargo de copeiro era de alta responsabilidade - afinal, era esse funcionário que devia provar a bebida servida ao rei, assegurando, portanto, que não estava envenenada. Pois bem, segundo Heródoto, Cambises estava em um dia qualquer a conversar com seu copeiro, a quem, supostamente, muito estimava, quando teve a ideia de lhe perguntar qual era, no seu entender, a opinião que dele tinha o povo persa. Muito honestamente, o copeiro respondeu que o rei era bastante estimado pelo povo, a não ser por um pequeno detalhe, o de ser muito afeiçoado às bebidas alcoólicas.
Imaginem, leitores, qual foi a reação de Cambises. Agradeceu a observação e tratou de ser mais comedido? Nem pensem em tal coisa. Enfurecido com a resposta de seu oficial, resolveu provar que não estava de modo algum alcoolizado, fazendo uma demonstração convincente da mais perfeita sobriedade. Pegou seu arco e avisou que, se cravasse uma flecha no coração do jovem filho do copeiro que não estava longe dali, ficaria claro que a fama que dele circulava entre o povo persa era um equívoco. Se, no entanto, falhasse, seria a prova do acerto de seus críticos.
Não houve quem ousasse detê-lo. O rapaz, atingido, caiu ali mesmo. Para que ficasse fora de dúvida a precisão do tiro, Cambises ordenou que se abrisse o peito do cadáver, a fim de mostrar que a seta atravessara o coração, tudo isso diante do estarrecido pai-copeiro. Tamanho desatino (ainda de acordo com Heródoto) foi acompanhado de uma gargalhada e da observação de que, afinal, os persas jamais deveriam ter seu rei na conta de um bêbado.
É óbvio, leitores, que não podemos ter certeza absoluta de que as coisas aconteceram assim mesmo, embora vários autores da Antiguidade refiram o episódio com pequenas variações. É possível, no entanto, que tenham se inspirado em Heródoto. Sabemos, porém, que atos de crueldade extrema não eram raros em monarcas da Antiguidade - não eram eles considerados deuses ou seus representantes? Não podiam, por consequência, fazer o que bem entendessem?
Por outro lado, jamais deveríamos supor que atos de brutalidade por parte de detentores do poder eram fenômenos restritos à Antiguidade. Excessos estarão sempre à mão, onde quer que haja governantes reconhecidos como vitalícios (ou que assim se imaginam), munidos de poderes quase ilimitados, contando com o apoio de uma horda de bajuladores, cuja moralidade demasiado elástica é sempre pautada pela conveniência.
Era assim no passado. Quem ousaria dizer que, nesse sentido, os tempos mudaram?
Por outro lado, jamais deveríamos supor que atos de brutalidade por parte de detentores do poder eram fenômenos restritos à Antiguidade. Excessos estarão sempre à mão, onde quer que haja governantes reconhecidos como vitalícios (ou que assim se imaginam), munidos de poderes quase ilimitados, contando com o apoio de uma horda de bajuladores, cuja moralidade demasiado elástica é sempre pautada pela conveniência.
Era assim no passado. Quem ousaria dizer que, nesse sentido, os tempos mudaram?
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Dizer que os tempos mudaram? Eu realmente não me atrevo. Talvez tenham mudado os modos de proceder, os meios de realizar suas atrocidades, mas a arrogância, a soberba e vaidade de tais governantes, continua exatamente a mesma.
ResponderExcluirMal sabem eles que, mais dia menos dia,estarão sobre uma plataforma rígida, deitados e inertes, com os vermes a espera de suas carnes para devorá-las. Nisso em nada se diferenciam dos seus súditos, a quem impõe ou impuseram suas arbitrariedades.
Olá, Décio Adams,
ExcluirSob esse aspecto, Montesquieu estava certíssimo, não é mesmo?