sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Trezentas bestas muares puxavam os ônibus na capital do Império

Ônibus, no Século XIX - todo mundo sabe - rodavam apenas com tração animal. Veículos automotores ainda estavam no futuro. De acordo com o Almanaque Laemmert de 1852, a Companhia dos Ônibus que atuava na área de transporte público coletivo no Rio de Janeiro começou a operar em 1º de julho de 1838. No Império do Brasil, era ainda o Período Regencial, uma época de muita agitação política. A mesma edição do Almanaque trazia outras informações sobre a Companhia dos Ônibus:
"Fabrica todo o seu trem em oficinas próprias montadas dentro do estabelecimento.
Emprega nas linhas atuais 10 carros de diversas lotações, e tem em reserva outros tantos.
Tem cerca de 300 bestas muares para o serviço." (*)
Esses ônibus circularam por algum tempo na capital do Império, mas gradualmente foram saindo de cena. Machado de Assis, escrevendo na edição comemorativa dos dezoito anos da Gazeta de Notícias (6 de agosto de 1893), observou que, pela época em que se havia começado a publicação do jornal, havia ainda diligências e ônibus puxados por muares percorrendo as ruas do Rio:
"Tínhamos diligências e ônibus; mas eram poucos, com poucos lugares, creio que oito ou dez, e poucas viagens. Um dos lugares era eliminado para o público. Ia nele o recebedor, homem encarregado de receber o preço das passagens e abrir a portinhola para dar entrada ou saída aos passageiros. Um cordel, vindo pelo tejadilho, punha em comunicação o cocheiro e o recebedor; este puxava, aquele parava ou andava."
É também dos escritos de Machado que podemos inferir alguma coisa a respeito da condição social dos condutores de ônibus. No conto "A Segunda Vida", encontramos este trechinho:
"A única liberdade que me deram foi a escolha do veículo; podia nascer príncipe ou condutor de ônibus. Que fazer?"
Mas é na boca de uma de suas principais personagens, o Bentinho de Dom Casmurro, que melhor percebemos que era bem longe do topo da sociedade que podiam ser localizados os trabalhadores encarregados de dirigir os muares que faziam andar os ônibus:
"[...] Mamãe sabe que eu faço tudo o que ela manda; estou pronto a ser o que for do seu agrado, até cocheiro de ônibus. Padre, não; não posso ser padre. A carreira é bonita, mas não é para mim."
Até cocheiro de ônibus!... Por certo não ocorria ao rapazinho uma profissão menos interessante. 
A introdução dos bondes acabou por suprimir o uso dos ônibus com tração animal. Machado escreveria na edição de 11 de outubro de 1896 da Gazeta de Notícias"Ônibus e diligências foram aposentados nas cocheiras e vendidos para o fogo."

(*) LAEMMERT, Eduardo. Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro Para o Ano Bissexto de 1852. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1852, p. 291.


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2 comentários:

  1. Chegou-se a uma altura em que à besta se disse basta! :)
    Estes relatos de época são autêntica preciosidade, Marta. Grato.

    Uma boa semana :)

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