Vez por outra leio a notícia de alguma baleia que encalhou junto ao litoral brasileiro, ou mesmo que foi encontrada já morta. Pois bem, esses acontecimentos fazem lembrar escritos de autores dos dois primeiros séculos da colonização, nos quais informavam que, nas águas oceânicas junto ao Brasil, as baleias eram, então, numerosíssimas.
No Diário da Navegação de Pero Lopes de Sousa lemos que "eram tantas as baleias nesta paragem e tamanhas, e chegavam-se tanto às naus que lhes havíamos mui grande medo." Vale recordar que Pero Lopes, irmão de Martim Afonso de Sousa, escreveu o dito Diário da Navegação entre 1530 e 1532. A "paragem" por ele referida no trecho citado era a região da Bahia de Todos os Santos.
Já para o final do Século XVI, Gabriel Soares, que tinha, para sua época, um grande conhecimento das coisas do Brasil, observou:
"Entendo que cabe a este primeiro capítulo dizermos das baleias que entram na Bahia (como do maior peixe do mar dela [sic]) a que os índios chamam pirapuã; das quais entram na Bahia muitas no mês de maio, que é o primeiro do inverno naquelas partes, onde andam até o fim de dezembro que se vão; e neste tempo de inverno, que reina até o mês de agosto, parem as fêmeas à abrigada da terra da Bahia, pela tormenta que faz no mar largo, e trazem aqui os filhos, depois que os parem, três e quatro meses, que eles têm disposição para seguirem as mães pelo mar largo; e neste tempo tornam as fêmeas a emprenhar, em a qual obra fazem grandes estrondos no mar." (¹)
Disse mais:
"Quando estas baleias andam na Bahia acompanham-se em bandos de dez, doze juntas, e fazem grande temor aos que navegam por ela em barcos, porque andam urrando e em saltos, lançando a água mui alta para cima; e já aconteceu por vezes espedaçarem barcos, em que deram com o rabo, e matarem a gente deles." (²)
As palavras de Gabriel Soares são úteis para que tenhamos uma ideia dos riscos envolvidos na navegação do Século XVI. Mas não só. Pelo mesmo autor somos logo informados de que a maior preocupação dos colonizadores era obter lucros, encontrando alguma coisa na América que, ao ser depois vendida na Europa, rendesse bastante. As baleias não ficaram fora dessa perspectiva, lembrando ele que "...quanto mais que se à Bahia forem biscainhos ou outros homens que saibam armar às baleias, em nenhuma parte entram tantas como nela, onde residem seis meses do ano e mais, de que se fará tanta graxa que não haja embarcações que a possam trazer à Espanha." (³)
É desnecessário lembrar que, no Século XVI, preocupar-se com questões ambientais não fazia parte do cardápio mental de quase ninguém.
É desnecessário lembrar que, no Século XVI, preocupar-se com questões ambientais não fazia parte do cardápio mental de quase ninguém.
Os contratos para a pesca das baleias tornaram-se, com o tempo, muito disputados. Interessavam à Coroa, interessavam aos exploradores do Continente Americano. Quem obtinha um desses contratos tinha o direito de explorar, com exclusividade, a pesca de baleias em uma determinada área. Como regra geral, quem oferecia mais aos cofres reais arrematava o tal privilégio. Já na segunda metade do Século XVII, escrevia o Padre Simão de Vasconcelos:
"As baleias são em tão grande número, que só nesta Bahia anda hoje o contrato real sobre elas em quarenta e três mil cruzados, por tempo de três anos. Revolve a multidão destes peixes [sic] o profundo das águas, e lança à praia tão grande quantidade de âmbar, que tem enriquecido a muitos." (⁴)
A pesca da baleia e seus perigos (⁵) |
Em fins do século XVIII as autoridades coloniais já reconheciam que as baleias começavam a escassear na costa no Brasil. Recomendava-se cautela na pesca.
Eu poderia concluir dizendo que a captura de baleias que ainda hoje é praticada em alguns lugares do planeta é desumana e alvo dos protestos de ambientalistas. Mas esses são fatos que não há quem desconheça. Em lugar disso, talvez seja interessante recordar que os resultados da pesca incessante de baleias no litoral brasileiro podem ser observados por quem quer que deseje ver o espetáculo da multidão delas, conforme descrito por Pero Lopes ou Gabriel Soares no Século XVI. Duvido que se encontre grande coisa.
Eu poderia concluir dizendo que a captura de baleias que ainda hoje é praticada em alguns lugares do planeta é desumana e alvo dos protestos de ambientalistas. Mas esses são fatos que não há quem desconheça. Em lugar disso, talvez seja interessante recordar que os resultados da pesca incessante de baleias no litoral brasileiro podem ser observados por quem quer que deseje ver o espetáculo da multidão delas, conforme descrito por Pero Lopes ou Gabriel Soares no Século XVI. Duvido que se encontre grande coisa.
(1) SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. Rio de Janeiro: Laemmert, 1851, p. 278.
(2) Ibid., p. 279.
(3) Ibid., p. 358.
(3) Ibid., p. 358.
(4) VASCONCELOS, Pe. Simão de. Notícias Curiosas e Necessárias das Cousas do Brasil. Lisboa: Oficina de Ioam da Costa, 1668, p. 280.
(5) TELLER, Thomas. Stories About Whale-Catching. New Haven: S. Babcock, 1845. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
Veja também:
Marta, a caça à baleia foi uma realidade no arquipélago dos Açores durante vários séculos. Felizmente, hoje é proibido. Mas os baleeiros representaram o ganha-pão da maior parte dos ilhéus. E a história repetiu-se em tantos pontos do globo.
ResponderExcluirImagina o susto que provocariam nos marinheiros...
Beijinho, um doce restinho de semana
Ruthia d'O Berço do Mundo
P.S. Saiba que indiquei o História & Outras Histórias para a 3ª Xícara de Ouro da Patrícia Galis, que distinguirá os melhores blogs de 2014. Boa sorte!
Obrigada!
ExcluirQuanto à pesca das baleias, não deixou ainda de ser um problema, mesmo em nossos dias, quando tanto se fala em consciência ambiental. Pode já não ocorrer no Brasil ou nos Açores, mas acontece em outros lugares. Ou seja, o problema só vai ser "resolvido" quando a última baleia for capturada.