quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Como o Código Criminal do Império tratava a questão das revoltas de escravos

O Código Criminal que entrou em vigor em 1830 estabelecia distinção entre o que era a revolta de um ou mais cativos contra alguma circunstância isolada, e o que se podia considerar uma rebelião coletiva, com o propósito de escapar à escravidão.
Assim, o Capítulo IV, Artigo 113, definia como insurreição:
"Julgar-se-á cometido este crime reunindo-se vinte ou mais escravos para haverem a liberdade por meio da força." (¹)
Dois escravos, de acordo com desenho de
M. Rugendas (²)
As punições estipuladas para os cativos envolvidos em rebeliões contra o sistema escravista não eram nada brandas, mas dependiam do grau de envolvimento e liderança do(s) acusado(s). Os chefes (chamados "cabeças") recebiam penas que iam de quinze anos de galés, passando por galés perpétuas e chegando, até mesmo, à pena de morte. Já os participantes sem papel de liderança eram condenados a açoites, cujo número ficava a critério do juiz.
O mesmo Código Criminal do Império nos permite entrever, no entanto, que podia haver gente de condição livre que eventualmente ajudava escravos rebeldes. Razões humanitárias? Abolicionismo? Ex-escravos que queriam ajudar parentes e/ou amigos? Sim, tudo isso era possível, e até podia ser por simples vingança contra um desafeto que fosse proprietário de muitos escravos. No entanto, o custo de semelhante envolvimento para um cidadão livre era intimidador. Dizia o Artigo 114:
"Se os cabeças forem pessoas livres, incorrerão nas mesmas penas impostas no artigo antecedente aos cabeças quando são escravos."
Para quem ajudasse escravos rebeldes, "fornecendo-lhes armas, munições ou outros meios para o mesmo fim", o Artigo 115 não deixava dúvidas: pena de prisão com trabalhos por oito a vinte anos, conforme o grau de envolvimento. O risco era enorme, mas não impediu que, nas últimas décadas do Século XIX, o movimento abolicionista crescesse, levando à abolição completa em 1888, até porque a situação econômica (interna) e política (nacional e internacional) já não admitia o trabalho servil por mais tempo. Ia embora tarde, tarde demais.

(1) Todas as citações são provenientes da seguinte edição: Código Criminal do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Quirino e Irmão, 1861.
(2) Dois escravos, desenho de M. Rugendas. O original pertence à BNDigital; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


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2 comentários:

  1. Tarde demais sem dúvida. Não há punição que impeça a liberdade, graças a Deus. Pena que, em pleno século XXI, ainda existam casos de escravatura, muitas vezes praticada por pessoas do chamado primeiro mundo...
    Beijinho para a Marta, uma linda semana
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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    Respostas
    1. Infelizmente, não são incomuns, no Brasil, casos de "condição análoga à escravidão": trabalhadores impedidos de deixar o local em que trabalham, submetidos a longas jornadas, sem receber salários estipulados em lei, etc. Há fiscalização, é claro, mas não o suficiente para impedir que mais casos semelhantes ocorram. No momento, há denúncias de exploração de mão de obra de imigrantes (bolivianos, haitianos, chineses, de vários países da África e outros mais). O drama ainda não se extinguiu, embora, formalmente, ninguém seja considerado propriedade de um senhor. A exploração de um ser humano por outro é que não parece ter data para acabar.

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