sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Anúncios, anúncios!


Estação ferroviária britânica, na qual podem ser vistos muitos anúncios, 1874 (¹)

A arte da propaganda no Brasil do Século XIX e início 

do Século XX


"Um anúncio é um mundo de mistérios."
                                                                                                       Machado de Assis (²)

Algum tipo de propaganda deve ter existido desde que alguém se propôs a vender fosse lá o que fosse - objetos de cerâmica, o excedente da caça, vinho, azeite, ovelhas, jumentos... Não é difícil imaginar o vendedor exaltando, diante do potencial comprador, as virtudes das mercadorias que apresentava. Mas isso foi nos dias da Antiguidade.
A era capitalista veio, porém, acompanhada de uma verdadeira revolução na arte não apenas de vender, mas também na de criar desejos de consumo. Todo mundo sabe, afinal, quão difícil é, hoje, estabelecer uma distinção razoável entre as necessidades reais e aquelas que, no fim das contas, nos vêm à imaginação por obra e graça de campanhas publicitárias desenvolvidas com toda a maestria.
Ora, no Século XIX as técnicas propagandísticas, em se tratando de Brasil, apenas engatinhavam. Anúncios apareciam em jornais, nos bondes, nas poucas revistas existentes. A coisa não ia mesmo muito além disso. É Machado de Assis quem conta:
"Quando, há muitos anos, um negociante americano quis abrir na Rua do Ouvidor um depósito de lampiões e outros objetos de igual gênero, começou por mandar imprimir, no alto dos principais jornais desta cidade (³), uma só palavra, em letras que ocupavam toda a largura da folha. A palavra era: abrir-se-á. Grande foi a curiosidade pública, logo no primeiro dia, e nos dois que se lhe seguiram, lendo-se a palavra repetida, sem se poder atinar com a explicação. No quarto dia cresceu o espanto, quando no mesmo lugar saiu esta pergunta, que resumia a ansiedade geral: O que é que se há de abrir? Mais três dias, e as folhas publicaram no alto, em letras gordas, a resposta seguinte: O grande empório de luz, à Rua do Ouvidor, nº..." (⁴)
Rudimentar, como fosse, a tática do negociante americano funcionou porque recorreu a uma característica (que às vezes raia a sério defeito) da natureza humana: a curiosidade. Repetida, posteriormente, a ideia já não daria o mesmo resultado. É o mesmo Machado quem observa, a respeito de anúncios de medicamentos na imprensa da época:
"Recentemente, presentemente, vimos e vemos que a lembrança de recomendar um remédio por meio de comparação da pessoa enferma antes, durante e depois da cura, tão depressa apareceu, como foi logo copiada e repetida. - Eu era assim (uma cara magra); - Ia quase ficando assim (uma caveira); até que passei a ser assim (uma cara cheia de saúde), depois que tomei tal droga. A fórmula primitiva serviu para as imitações, creio que sem alteração, a não ser o desenho das caras, e não todas." (⁵)
Ora, leitores, anúncio de remédio é que não faltava, isso lá pelo fim do Século XIX e primeiras décadas do Século XX. A julgar pela quantidade e pelo conteúdo das propagandas, poderíamos supor que o Brasil era um país de doentes (⁶). Ou seria de hipocondríacos?
Apenas para dar uma ideia de como as propagandas de medicamentos procuravam alcançar consumidores, vão aqui três delas, todas publicadas na revista paulistana A Cigarra (⁷).





(1) SAMPSON, Henry. A History of Advertising. London: Chatto and Windus, 1874.
(2) GAZETA DE NOTÍCIAS, A Semana, 23 de junho de 1895.
(3) Referia-se ao Rio de Janeiro, que era, na época, a capital do Brasil.
(4) GAZETA DE NOTÍCIAS, A Semana, 14 de junho de 1896.
(5) Ibid.
(6) Uma rápida vista às estatísticas de falecimentos desse tempo mostra algumas coisas interessantes. Primeiro, era elevado o número de falecimentos entre crianças e jovens. Entende-se, se considerarmos que os antibióticos somente entraram a ser comercializados em larga escala depois da Segunda Guerra Mundial. A vacinação, que imunizava contra uma grande variedade de moléstias, ainda não estava universalizada. Além disso, eram muitas as mulheres que morriam no parto ou em decorrência dele. Isso se explica por falta de assistência hospitalar, ausência de cuidados médicos (as famosas "parteiras", nem sempre qualificadas é que entravam em ação) e por infecções, muitas vezes contraídas em decorrência de absoluta falta de higiene no próprio parto. Apesar de tudo isso, havia muita gente que chegava a uma idade avançada. Considerando a média, porém, a expectativa de vida era bem menor que a de hoje.
(7) A CIGARRA, respectivamente: Ano VI, nº 125, dezembro de 1919; Ano II, nº 33, dezembro de 1915; Ano IV, nº 78, 31 de outubro de 1917.


Veja também:

2 comentários:

  1. Marta, tentei comentar via celular no domingo quando
    li a postagem, mas não deu certo
    e hoje de volta ao ES(minha casa) eu comento.
    Encantada com essa matéria tão cheia de maravilhosas
    informações.
    Por conta de sua postagem
    eu estava na casa de um amigo no RJ
    e citei sua postagem
    imediatamente meu par e meu amigo
    começaram a relembrar propagandas
    antigas. Foi muito divertido.
    Bjins
    CatiahoAlc.
    http://eunoseossinos.blogspot.com.br
    http://reflexosespelhandoespalhandoamigos.blogspot.com.br/
    http://reflexoemcoisasdemulher.blogspot.com.br/

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    1. Tem cada uma, de antigamente... Aquelas dos secadores de cabelo, com cada penteado! Ou as de certos remédios... Havia ainda as dos ventiladores... As melhores, no entanto, eram algumas propagandas políticas, que ninguém mais esquece ("Varre, varre, varre, varre, vassourinha..."). Acho que, em certo sentido, a qualidade da imagem, que hoje é possível, talvez tenha deixado o conteúdo em segundo plano. Não são muitas as da atualidade que ficarão "para sempre". Tudo é muito transitório. Que pena...

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