Pra falar a verdade, acho repugnante a mania de ver os animais simplesmente como recurso para as panelas, mas é preciso admitir que, à vista dos colonizadores europeus que vieram viver no Brasil, era importante e até indispensável um conhecimento de que coisas eram "comestíveis", já que a sobrevivência na América dependia, ao menos em parte, desse saber. Nisso, os povos indígenas do Brasil eram excelentes mestres, dominando, com igual eficiência, diferentes métodos de caça. E, a crermos no que escreveram autores dos séculos XVI e XVII, a mais apreciada dessas refeições ambulantes eram os tatus.
Tatu ("Dattu"), de acordo com Hans Staden (¹) |
Também Pero de Magalhães Gândavo, que queria incentivar a vinda de portugueses ao Brasil, observou:
Tatu-Galinha (Dasypus novemcinctus) (⁵) |
Tatu-Peba (Euphractus sexcinctus) (⁵) |
"Há tatus, a que os espanhóis chamam armadillos, porque são cobertos de uma concha não inteiriça como a das tartarugas, mas de peças a modo de lâminas, e sua carne assada é como de galinha."
Notaram, senhores leitores, quantas comparações?
Concha semelhante a armadura, casco de tartaruga, como lagosta, focinho de leitão, semelhante a cavalo armado, carne como a de galinha... É que diante da surpreendente diversidade natural da América, os autores viam-se às voltas com palavras que pareciam por vezes insuficientes para uma descrição acurada, daí a necessidade de apontar similaridades, que dessem à gente da Europa alguma ideia daquilo que se queria descrever. Em alguns casos, só mesmo um bom desenho para ajudar, como é o caso deste que aparece na Historia naturalis Brasiliae, de Willen Piso e Georg Markgraf:
Tatu, de acordo com a Historia naturalis Brasiliae (Piso e Markgraf) (⁴) |
(1) Hans Staden escapou, por muito pouco, de também ele virar refeição. Veja-se: STADEN, Hans. Zwei Reisen nach Brasilien. Marburg: 1557.
(2) GÂNDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da Terra do Brasil. Brasília: Ed. Senado Federal, 2008, pp. 61 e 62.
(3) O manuscrito foi concluído por volta de 1627.
(4) PISO/PIES, Willen et MARKGRAF, Georg. Historia naturalis Brasiliae. Amsterdam: Ioannes de Laet, 1648, p. 231. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(5) Os tatus fotografados para esta postagem pertencem ao acervo do Museu de História Natural de Itapira - SP (tatu-galinha) e do Museu do Eucalipto, em Rio Claro - SP (tatu-peba), este último novamente aberto ao público, depois de um longo tempo fechado. Se puder, visite!
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