quarta-feira, 8 de maio de 2013

Músicos em São Paulo no Período Colonial - Parte 2

Na postagem anterior tratou-se de gente que, em São Paulo, nos velhos tempos coloniais, dedicava-se, além do cuidado de fazendas e de apresar índios, a algo mais: fazer música. A crermos, porém, no que escreveu Pedro Taques de Almeida Paes Leme na Nobiliarchia Paulistana, um dos mais notáveis músicos que viveu entre paulistas não era natural da Capitania de São Vicente - vinha de Pernambuco, e era filho de um importante comerciante que deixara o Reino para estabelecer-se no Brasil:
"A nobre família de Penteados teve origem em São Paulo em Francisco Rodrigues Penteado, natural de Pernambuco, para onde veio ser morador seu pai Manoel Corrêa [...], saindo de Lisboa, e em Pernambuco se estabeleceu com negócio grande. " (¹)
Esse Manoel Corrêa devia ter um certo apreço pela instrução dos filhos, já que fez Francisco Rodrigues Penteado estudar as chamadas "artes liberais", vindo a ser, ainda de acordo com Pedro Taques "excelente e com muito mimo na de tanger viola, e destro na arte da música".
Tempos depois, tendo o pai necessidade de mandar alguém ao Reino para receber uma herança, julgou que seu tão instruído filho era a pessoa certa e de confiança para isso...
"O filho, porém", observou Pedro Taques, "vendo-se em uma Corte das mais nobres da Europa e com prendas para conciliar estimações, cuidou só no estrago que fez do cabedal que recebeu, consumido em bom tratamento e amizades."
Ora, depois de torrar a tal herança que fora receber, o rapaz deu-se conta de que estava metido em uma grossa encrenca, que o impedia de simplesmente voltar para casa de mãos abanando. Teve sorte, no entanto, o perdulário. Seguimos com Pedro Taques:
"Refletindo depois que não estava nos termos de dar satisfação da comissão com que passara de Pernambuco a Lisboa, embarcou na frota do Rio de Janeiro com Salvador Corrêa e Sá e Benavides em 1648, o qual, tendo de passar a Angola, como passou, para a restaurar dos holandeses, o deixou na cidade do Rio muito recomendado pelo interesse de lhe instruir nos instrumentos músicos a suas filhas e ao filho mais velho Martim Corrêa, com quem estava unido pela igualdade dos anos."
Vê-se, portanto, que seus conhecimentos musicais foram valiosa ferramenta para começar a safar-se da enrascada em que se metera. As musas eram mesmo suas amigas, e não parou aí a virada de sorte que o alcançou:
"Do Rio de Janeiro, pela demora em Angola do dito Salvador Corrêa de Sá, que ficou feito general daquele reino, passou para a vila de Santos Francisco Rodrigues Penteado, e já desta vila subia para São Paulo contratado para casar com uma sobrinha de Fernão Dias Paes, que foi quem o ajustou para este contrato. Em São Paulo casou Francisco Rodrigues Penteado com D. Clara de Miranda [...]."
Sim, acabou contratado (²) para casar-se com ninguém menos que uma sobrinha de Fernão Dias Paes, o famoso "caçador de esmeraldas", homem notável e abastado, que chegava a receber cartas do próprio rei de Portugal.
Depois da tenebrosa aventura no Reino, era já tempo de nosso ótimo músico mas gastador-mor sossegar, não?
E Pedro Taques conclui, dizendo:
"Francisco Rodrigues Penteado, com sua mulher D. Clara de Miranda, fez [sic] o seu estabelecimento em fazenda de cultura no termo da vila de Parnaíba."
Sabe-se apenas que teve sete filhos, todos naturais de São Paulo. Teria ele, em meio às lides de sua fazenda, continuado a tanger viola, ao menos por diversão? Teria ensinado música a seus filhos? Ou teria abandonado por completo seu modo anterior de vida, tornando-se um respeitado senhor de terras e escravos, como tantos outros seus contemporâneos? Infelizmente, não se tem resposta conclusiva, mas não será demasiada fantasia, penso, imaginá-lo em casa, à noite, candeias acesas, a dedilhar uma das antigas canções do Reino para quem o quisesse ouvir.

(1) Lembrem-se os senhores leitores de que, nos tempos coloniais, não havia regras estritas para dar nome e sobrenome a quem nascia, de modo que os filhos não tinham, necessariamente, o sobrenome de seus pais, mas podiam ter o de algum parente próximo, a quem se desejava homenagear, ou mesmo o do padrinho de batismo.
(2) Os casamentos de "gente importante", na época, eram contratados geralmente pelos pais ou parentes próximos, à revelia dos noivos ou, pelo menos, das noivas. Logo trataremos disso neste blog.


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