quarta-feira, 15 de maio de 2013

Fraudes e corrupção nos tempos coloniais - Parte 2

O contrabando de tabaco


De volta a Antonil (veja a postagem anterior), verificaremos que, em relação ao contrabando do tabaco que se produzia no Brasil, atribuíam-se penas draconianas aos infratores. Resultado? O de sempre - ainda maior ousadia da parte dos que praticavam descaminhos. Basta ler:
"Qualquer descaminho do tabaco, por qualquer destas partes do Brasil, fora do Registro (¹) e Guias, debaixo do que tudo vai despachado, tem por pena a perda do tabaco e da embarcação em que se achar, e mais cinco anos de degredo para Angola ao autor dessa culpa. [...].
Mas ainda maior prova do grande valor e lucro que dá o tabaco é o perderem muitos, por ambição, o temor destas penas [...]. E para isso parece que não há indústria de que se não use para o embarcar e tirar das embarcações às escondidas, à vista dos mesmos ministros, que como Argos (²) de cem olhos vigiam, quando não são juntamente Briareus (³) de cem mãos para receber, e mais mudos que os peixes para calar." (⁴)
Ora, se o lucro obtido com o contrabando de tabaco era tão significativo, a ponto de, independente das penas severas aos infratores, haver ânimo para que se empreendessem os descaminhos, resta saber quais eram as artimanhas empregadas pelos que tentavam burlar a fiscalização imposta. Nisso também Antonil explica muito bem:
"Para apontar algumas destas indústrias, direi, por relação dos casos em que se apanham não poucos, que uns mandaram o tabaco dentro das peças de artilharia, outros dentro das caixas e fechos do açúcar, outros arremedando as caras também de açúcar muito bem encouradas. Serviram-se outros dos barris de farinha da terra (⁵), dos de breu e dos de melado, cobrindo com a superfície mentirosa o que ia dentro, em folhas de flandres. Outros valeram-se das caixas de roupa, fabricadas a dois sobrados, para dar lugar a esconderijos, de frasqueiras que estão à vista, pondo entre os frascos de vinho outros também de tabaco. [...]. E não faltou quem lhe desse lugar até dentro de umas imagens ocas de santos, assim como uns carpinteiros de navios o esconderam em paus ocos, misturados entre uns e outros, de que costumam valer-se." (⁶)
Vê-se que a imaginação trabalhava a todo vapor e com  tal fertilidade, que foi capaz mesmo de legar um sólido patrimônio de "ensinamentos" às futuras gerações!

(1) Pontos oficiais de cobrança de impostos.
(2) Esse gigante mitológico dormia com cinquenta olhos fechados, enquanto os outros cinquenta permaneciam abertos.
(3) Para os antigos gregos, Briareus era um dos três gigantes que ajudaram Zeus a dominar os Titãs. Era dotado de cinquenta cabeças e cem braços, daí o uso dessa imagem por Antonil, já que cem braços significam também cem mãos... O restante os leitores inferirão por si mesmos.
(4) ANTONIL, André João (ANDREONI, Giovanni Antonio). Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e Minas. Lisboa: Oficina Real Deslandesiana, 1711, p. 126.
(5) Farinha de mandioca.
(6) ANTONIL, André João (ANDREONI, Giovanni Antonio). Op. cit., p. 127.


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