quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Carros de bois - Parte 1

O uso de carros de bois no Brasil


"O caminho barrento, pegajoso e úmido, cheio de sulcos de carro de boi, desprendia um cheiro de lama e estrume. Da estrada pelo morro acima o terreno era inculto, coberto de matapasto crescido, e sobre ele se viam bois agitando com o movimento inquieto das cabeças a sineta que traziam ao pescoço, bufando e catando insofridos a erva."
                                                                                                                                   Graça Aranha, Canaã
 
Carro de bois, de acordo com Debret (¹)

Durante muito tempo - séculos, na verdade - cargas de todos os tipos foram, no Brasil, transportadas em carros de bois. Isso, claro, quando havia algum caminho praticável, porque não havendo, era às costas de escravos, negros ou índios, que as cargas seguiam, fosse rumo ao interior (como no Caminho do Mar), fosse para algum porto, onde eram embarcadas em navios que para isso mesmo já lá estavam.
Vejamos um exemplo. Ao descrever Icó, no Ceará, o Padre Ayres de Casal, depois de relatar que produzia arroz, milho, feijão, melancias e melões, diz que, no entanto, farinha, açúcar e rapadura, bem como sal, provinham de outros lugares: "A farinha, açúcar e rapaduras vêm-lhe do Crato, o sal do Açu, tudo em carros." (²)
E, se tudo isso vinha em carros, lá vinham também os bois, que puxavam os carros... Afinal, de que outro modo seria?
Além disso, várias juntas de bois podiam ser usadas em um único carro, de modo a ampliar a capacidade de transporte de carga mesmo em terrenos difíceis. Ou, pelo andar lento e cadenciado dos bovinos, podia um carro ser usado para o transporte de passageiros, em particular para moças e senhoras que, antigamente, não eram incentivadas a exercitar habilidades atléticas.

Família de fazendeiro viajando em carro de bois, de acordo com Rugendas (³)

Não se imagine, porém, que carros de bois eram usados apenas em estradas, ou em algo que se parecesse com elas. Nas ruas das cidades e vilas também se podia ouvir o ruído característico das rodas dos carros.
O advento das ferrovias e, um pouco depois, dos automóveis, foi, aos poucos, lançando os carros de bois no desuso, pelo menos na maior parte do Brasil. Havia sempre, porém, quem preferisse carros de bois aos trens, conforme se depreende deste trechinho de Coelho Neto em A Bico de Pena:
"Quem viaja a cavalo ou em carro de bois sente um alegrão doido quando vê na estrada ao longe, outro cavaleiro ou quando ouve o rincho de outro carro de bois; e no trem? Se a gente vê vir, na mesma linha, outro comboio em sentido contrário, só tem uma coisa a fazer: é encomendar a alma ao Criador, porque está frito."

(1) DEBRET, J. B. Voyage Pittoresque et Historique au Brésil vol. 2. Paris: Firmin Didot Frères, 1835. O original pertence à Brasiliana USP; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(2) CASAL, Manuel Ayres de. Corografia Brasílica, vol. 2. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1817, p. 230.
(3) RUGENDAS, Moritz. Malerische Reise in Brasilien. Paris: Engelmann, 1835. O original pertence à Biblioteca Nacional; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


Veja também:

2 comentários:

  1. Parabéns pelo artigo. Atualmente existem festas de carros de boi em dezenas de cidades. Acesse www.carrosdeboi.com.br e fique por dentro das principais festividades dessa cultura singular e apaixonante.

    Rogério Corrêa
    www.carrosdeboi.com.br

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    1. Olá, Rogério Corrêa,
      Obrigada por sua visita ao blog e pela dica do site. É muito legal ver essa tradição preservada. Não faz muito tempo, vi um belíssimo carro de bois participando de um desfile no interior de São Paulo. Parecia ter saído do Século XIX rsrsrsssss...

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