domingo, 4 de novembro de 2012

Deslizes de alguns membros do clero colonial - Parte 1

Causas da má fama de membros do clero colonial


Independente da opinião que se tenha sobre a catequese de indígenas no Brasil Colonial, não há como negar a dedicação de muitos religiosos que a empreenderam. Alguns chegaram a extremos, em se tratando de autossacrifício, para assegurar o que consideravam ser melhor para seus catecúmenos. Consta que, em alguns casos em que indígenas foram aprisionados para a escravidão, os catequistas imploraram para serem também levados, a fim de que seus recém-convertidos não se vissem sem amparo espiritual.
Assim, como severos cumpridores dos deveres que assumiam e, além disso, estudiosos da língua e costumes dos povos indígenas, alguns desses padres alcançaram notoriedade, a ponto de, sobre eles, ter a devoção popular feito nascer e prosperar uma série de lendas, glorificando suas virtudes e descrevendo fatos que eram considerados milagres.
Vale lembrar também que, quer nascidos no Reino, quer na própria Colônia, vários religiosos podem ser listados entre os que, no Brasil, contribuíram decisivamente para o aparecimento de uma literatura que poderia ser chamada "brasileira". De sermões eruditos a poesia, inclusive com conotação política, a produção literária de membros do clero foi significativa.
No entanto...
No entanto, no Brasil Colonial, a fama dos clérigos estava longe de ser das melhores. A pena nada moderada de Gregório de Matos escreveu:

"O Cura, a quem toca a cura
de curar esta cidade,
cheia a tem de enfermidade
tão moral, que não tem cura:
dizem, que a si só se cura
de uma natural sezão,
que lhe dá na ocasião
de ver as moças no eirado,
com que o Cura é o curado,
e as moças seu cura são."

Fato é que, havendo quem estivesse muito longe de zelar pelos votos que professara, a fama desses acabava contaminando a dos religiosos como um todo, embora, a crermos no que muitos autores da época registraram, não fosse pequeno o número dos clérigos que levavam a vida a escandalizar a população.
Por que isso acontecia?
Há várias razões, dentre as quais vale mencionar que muitos rapazes eram encaminhados para a vida eclesiástica não porque demonstravam vocação para ela, mas por decisão familiar. As famílias importantes economicamente entendiam que era indispensável ter, entre seus membros, um padre, porque isso, naqueles tempos, servia, antes de mais nada, para comprovação da chamada "limpeza de sangue". Seguia-se, pois, que um patriarca simplesmente determinava qual (ou quais) de seus filhos seria(m) sacerdote(s), e a questão se encerrava aí.
Além disso, se um jovem tinha interesse em prosseguir os estudos além do nível das "primeiras letras", seu único caminho talvez fosse ingressar em uma ordem religiosa, já que na Colônia não havia instituições superiores laicas de ensino. Ora, ter interesses acadêmicos não é sinônimo, de nenhum modo, de ter vocação religiosa, daí que, por esse caminho, muita gente seguia, por amor ao conhecimento, o rumo de um estilo de vida que não desejava e que jamais adotaria se tivesse outra opção.
Resta ainda dizer que não era nada fácil aos superiores das ordens religiosas o exercício de um controle eficaz sobre seus subordinados, face à vastidão das terras, virtualmente desconhecidas, do Brasil Colonial. Estava longe de ser coisa simples ter que supervisionar estabelecimentos distantes entre si centenas e até milhares de quilômetros, quando não havia estradas - nem boas e nem más - por onde se pudesse viajar. Se um monge escapulia e metia-se, digamos, a procurar ouro, a chance de encontrá-lo e chamá-lo de volta a seus deveres era ínfima, por mais que o governo português invocasse a ação das autoridades coloniais no sentido de impedir que "frades andarilhos" circulassem livremente pelas áreas mineradoras.


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