domingo, 11 de novembro de 2012

Deslizes de alguns membros do clero colonial - Parte 4

Religiosos que não se dedicavam aos estudos e/ou eram descuidados no cumprimento de seus deveres


Pode acreditar, leitor: nos tempos coloniais, os sermões atraíam multidões às igrejas. Pregadores famosos, com bela voz e alta técnica de oratória, capazes, com suas descrições espetaculares, de levar a imaginação dos ouvintes dos terrores do inferno às delícias do Paraíso, fazendo-os experimentar emoções que iam do mais profundo pavor ao júbilo dos bem-aventurados, eram extremamente populares, verdadeiras estrelas da época e, por isso mesmo, imitados por jovens candidatos à carreira religiosa. Estes últimos, no entanto, não escapavam à mordacidade de Gregório de Matos:

"Que haja pregador noviço,
que estude alheios sermões,
só para juntar dobrões,
porque os ajunta por isso:
que cuide muito remisso,
que poderá bem pregar
sem teologia estudar,
ou sem saber a oratória!
Boa história."
  
Sejamos, porém, razoáveis: não era para qualquer capela ou igreja de paróquia o ter um Padre Antônio Viera, não é verdade?
O governo português cobrava da população o pagamento dos dízimos, subentendendo-se, daí, que estava responsável por garantir a assistência religiosa a quem vivia na Colônia. Sabe-se, porém, que, em geral, vivia o povo na mais crassa ignorância, e até para ministrar os sacramentos era difícil, às vezes, encontrar um padre. Por outro lado, muitos desses religiosos não eram exatamente modelos em zelar por seus deveres. Há, nesse sentido, um ótimo episódio, relatado por Saint-Hilaire, ocorrido no início da segunda década do século XIX, no interior de Minas Gerais, quando esse naturalista francês estava de viagem a São Paulo, tendo se hospedado em casa de um pároco:
"Quando fui dar bons dias ao cura, contou-me que me esperava para dizer a missa. Apressei-me em me vestir e tomei o chapéu, imaginando que iríamos à igreja paroquial. Mas o cura disse-me que não sairíamos de casa, e efetivamente ali rezou a missa. Eu e os seus negros fomos os únicos ouvintes. Na Igreja brasileira não há o que possa causar espanto: está fora de todas as regras!" (*)

(*) SAINT-HILAIRE, A. Segunda Viagem a São Paulo e Quadro Histórico da Província de São Paulo. Brasília: Ed. Senado Federal, 2002, p. 49.


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