Eusébio de Queirós (¹) |
Por que, então, a Lei Eusébio de Queirós funcionou, enquanto a de 1831 de nada valeu? Nenhuma lei desse tipo poderia ser eficaz se não viesse acompanhada de medidas de força para garantir seu cumprimento, e foi isso que a lei de 1850, encaminhada pelo então ministro da Justiça Eusébio de Queirós Coutinho Matoso Câmara, teve de novidade. Ela dispunha sobre as medidas práticas para garantir que africanos não mais fossem trazidos ao Brasil para escravização:
"Art. 1º - As embarcações brasileiras encontradas em qualquer parte, e as estrangeiras encontradas nos portos, enseadas, ancoradouros ou mares territoriais do Brasil, tendo a seu bordo escravos, cuja importação é proibida pela lei de 7 de novembro de 1831, ou havendo-os desembarcado, serão apreendidas pelas autoridades ou pelos navios de guerra brasileiros, e consideradas importadoras de escravos. Aquelas que não tiverem escravos a bordo, nem os houverem proximamente desembarcado, porém que se encontrarem com os sinais de se empregarem no tráfico de escravos, serão igualmente apreendidas e consideradas em tentativa de importação de escravos."Mais ainda: quem insistisse no tráfico de africanos, podia ser enquadrado no crime de pirataria, com suas gravíssimas consequências:
"Art. 4º - A importação de escravos no território do Império fica nele considerada como pirataria, e será punida pelos seus tribunais com as penas declaradas no artigo segundo da lei de 7 de novembro de 1831. A tentativa e a cumplicidade serão punidas segundo as regras dos artigos 34 e 35 do Código Criminal."Porém, o litoral brasileiro é extenso, e o patrulhamento, nas condições do Século XIX, deixava ampla margem para o tráfico ilegal e desembarque de africanos escravizados. Desembarques ilegais continuaram a acontecer, contudo foram se tornando mais e mais raros.
Na fala do imperador, encerrando a Quarta Sessão da Oitava Legislatura da Assembleia Geral Legislativa em 4 de setembro de 1852 - exatos dois anos após a Lei Eusébio de Queirós - D. Pedro II afirmou:
"O tráfico de africanos está por assim dizer extinto. Para reprimir uma ou outra tentativa de ávidos aventureiros, que procurem ainda tirar lucros de tão imorais especulações, parecem suficientes as leis que tendes decretado, as quais continuarão a ser executadas vigorosamente." (²)Até onde se sabe, a última tentativa de desembarcar escravizados vindos da África em território brasileiro teria ocorrido no começo da década de 1870. Mas já, aí, era caso esporádico.
Talvez você, leitor ou leitora, a essa altura esteja se interrogando quanto ao que acontecia aos africanos que fossem encontrados em embarcações detidas após a Lei de 1850. A própria Lei Eusébio de Queirós tem a resposta:
"Art. 6º - Todos os escravos que forem apreendidos serão reexportados por conta do Estado para os portos de onde tiverem vindo, ou para qualquer outro ponto fora do Império, que mais conveniente parecer ao governo, e enquanto essa reexportação se não verificar, serão empregados em trabalho debaixo da tutela do governo, não sendo em caso algum concedidos os seus serviços a particulares."Por que, no entanto, acabar apenas com o tráfico, e não com a escravidão como um todo?
O imperador, ponderando interesses de alguns setores agrários, entendia que a abolição completa do trabalho escravo devia ser feita em etapas, na suposição de que assim procedendo, seriam evitados solavancos exagerados na política e na economia. Por essa lógica, não seria inconcebível que o Brasil chegasse ao Século XX ainda carregando a horrorosa situação de ter seres humanos que se consideravam proprietários de outros seres humanos. Todavia, desde a Guerra do Paraguai, a sociedade brasileira entrou em uma fase de mudanças importantes. Havia pressa, e a escravidão, formalmente, chegou ao fim em 1888, ainda que, nas várias províncias, abolições locais já estivessem em vigor antes disso.
(1) Cf. SISSON, S. A. Galeria dos Brasileiros Ilustres, vol. 11. Rio de Janeiro, Lithographia de S. A. Sisson, 1861. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(2) AURORA PAULISTANA, Ano II, nº 71, 5 de outubro de 1852.
(2) AURORA PAULISTANA, Ano II, nº 71, 5 de outubro de 1852.
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