sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Como era a capital do Brasil na primeira metade do Século XVIII

Na primeira metade do Século XVIII, a capital do Brasil era, ainda, a Cidade da Bahia, ou Salvador, fundada com esse propósito no Século XVI pelo primeiro governador-geral, Tomé de Sousa. Sebastião da Rocha Pita (¹), que amava a cidade (²), descreveu-a nestes termos, que dão uma ideia de sua aparência:
"A cidade com prolongada forma se estende em uma grande planície elevada ao mar, que lhe fica ao poente, e ao nascente a campanha. Está eminente à dilatada povoação da marinha e aos repetidos portos de onde se lhe sobe com pequena fadiga por capacíssimas ruas. Tem duas portas, uma ao sul, e ao norte outra, em cujo espaço estão os famosos templos de Nossa Senhora da Ajuda, o da Misericórdia, que tem a si unido o magnífico recolhimento de mulheres, a majestosa igreja matriz, à qual está próximo o grande palácio arquiepiscopal, a igreja nova de S. Pedro da Irmandade dos Clérigos, o templo, o colégio e aulas escolásticas e doutas dos religiosos da Companhia de Jesus e o suntuoso templo e convento de S. Francisco." (³)  
Sim, Salvador já teve muros e portas! E que ninguém se surpreenda com a menção a tantas igrejas e outros edifícios a elas relacionados: assim se fazia, no passado, concedendo a prioridade a tudo o que se ligava às práticas religiosas.
Mas vamos adiante, para ver o que Rocha Pita dizia dos bairros da cidade:  
"Em seis bairros se divide a cidade: o das Portas de S. Bento, o de Nossa Senhora da Ajuda, o da Praça, o do Terreiro, o de S. Francisco e o das Portas do Carmo, além dos outros que ficam extramuros [...]." (⁴)  
Havia, ainda, praças e edifícios públicos, que evidenciavam os pilares em que então se apoiava a autoridade local, ou seja, Estado monárquico e Igreja:
"[...] Duas praças lhe aumentam a formosura, a de Palácio, quadrada com cento e sessenta e dois pés geométricos por face e vinte e seis mil duzentos e quarenta e quatro de área. Na frente tem o majestoso paço onde residem os generais; na parte oposta a Casa da Moeda; ao lado direito as da Câmara e da Cadeia; ao esquerdo a da Relação, e por seis formosas ruas se comunica a todas as partes da cidade.
A segunda praça, chamada Terreiro de Jesus, se prolonga com trezentos e cinquenta pés de comprimento e duzentos e vinte e oito de largura [...]. Tem no princípio a igreja do [...] colégio dos padres da Companhia, de que tomou o nome, e por todas as partes vai acompanhada e enobrecida de suntuosos edifícios, de que lhe resulta agradável perspectiva e contínua frequência; por seis ruas se franqueia a todos os bairros [...]". (⁵) 
O que é que fez Salvador envelhecer e deixar de ser a capital? Nada, na própria cidade, e sim o que ocorria fora dela. Tomé de Sousa a fundara sob ordens expressas do rei para que se fizesse cidade no coração do território açucareiro, de onde a exportação e consequente cobrança de impostos ocorresse pontualmente; devia ficar tão perto quanto possível do Reino, para facilitar a comunicação entre colônia e metrópole. Contudo, a descoberta do ouro, que não podia ser plantado onde bem se entendesse, mas que se devia arrancar da terra onde pudesse ser encontrado, provocou mudança significativa no eixo econômico do Brasil. Por um pouco de tempo, Paraty foi o porto de saída do ouro para Portugal; depois, a exportação passou a ser feita pelo Rio de Janeiro. Dentro da lógica colonial, o governo devia mudar de endereço. Salvador perdeu o status de capital, e o Rio de Janeiro passou a ser sede de governo em 1763, não por alguns anos ou décadas, mas até que, já bem adiantado o Século XX, alguém tivesse a ideia de, finalmente, transferir a capital da República para o centro do Brasil. 

(1) A primeira edição de sua História da América Portuguesa foi publicada em 1730.
(2) Os adjetivos e superlativos são disso uma prova acabada.
(3) PITA, Sebastião da Rocha. História da América Portuguesa 2ª ed. Lisboa: Ed. Francisco Arthur da Silva, 1880, p. 35.
(4) Ibid. 
(5) Ibid. 


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