terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Uma nova capital

Brasília, Esplanada dos Ministérios, como é vista desde o lago Paranoá

A primeira capital do Brasil, a "Cidade da Bahia" (Salvador), foi estabelecida sob o comando de Tomé de Sousa, que fora designado para o cargo de governador-geral. Na escolha da localização da cidade, além de questões práticas como existência de um bom suprimento de água e condições favoráveis à defesa, pesaram outras duas questões importantes: estar perto da região produtora de açúcar e facilitar ao máximo as comunicações com Portugal. Era 1549, e, para que desse lucro, a produção açucareira do Nordeste brasileiro precisava ser levada à Europa. Portanto, considerava-se que estar localizada junto ao mar não era, para a capital, nenhum defeito, sendo, ao contrário, até uma vantagem.
Mais tarde, já no Século XVIII, a descoberta de jazidas auríferas e de pedras preciosas nas Gerais, em Goiás e nas "minas do Cuiabá" deslocou o eixo econômico do Brasil em direção ao Sul. Uma vez que era do porto do Rio de Janeiro que as riquezas minerais eram embarcadas para o Reino, para lá foi movida a capital, e, mesmo depois da Independência, assim permaneceu ao longo das décadas do Império, apesar de, ocasionalmente, vir à baila a necessidade de transferir a sede de governo para algum ponto no interior (¹). 
Após a proclamação da República houve quem sugerisse a mudança da capital para Petrópolis, mas a proposta logo foi afastada, porque, se oferecia umas poucas vantagens, tinha a inconveniência de preservar muitos dos problemas existentes no Rio. Assim, a Constituição de 1891, a primeira republicana, trazia em suas Disposições Preliminares, Título I, Art. 3º:
"Fica pertencendo à União, no planalto central da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada, para nela estabelecer-se a futura Capital Federal."
E na Seção I, Capítulo IV, Artigo 34:
"Compete privativamente ao Congresso Nacional:
[...]
13. Mudar a capital da União."
Cerca de dois anos mais tarde, escrevendo na Gazeta de Notícias, Machado de Assis ponderou:
Catedral de Brasília em fotografia infravermelha
"A capital da República, uma vez estabelecida, receberá um nome deveras, em vez deste que ora temos, mero qualificativo. Não sei se viverei até a inauguração. A vida é tão curta, a morte tão incerta, que a inauguração pode fazer-se sem mim, e tão certo é o esquecimento, que nem darão pela minha falta. Mas, se viver, lá irei passar algumas férias, como os de lá virão aqui passar outras. Os cariocas ficarão sempre com a baía, a esquadra, os arsenais, os teatros, os bailes, a Rua do Ouvidor, os jornais, os bancos, a Praça do Comércio, as corridas de cavalos, tanto nos circos como nos balcões de algumas casas cá embaixo, os monumentos, a companhia lírica, os velhos templos, os rabequistas, os pianistas..." (²)
Na suposição da mudança como algo estritamente necessário, a ideia era inaugurar a nova cidade dentro dos festejos relativos ao centenário da Independência, a ser comemorado em 1922, um plano que nunca se concretizou. Como os leitores bem sabem, a construção de Brasília data da segunda metade da década de 50 do Século XX, tendo a inauguração formalmente ocorrido em 21 de abril de 1960. Machado de Assis, que não era nenhum Matusalém, faleceu em 1908, e, portanto, não viveu o suficiente para ver a nova capital. Para vê-la, precisaria ter alcançado a idade de cento e vinte anos. 

Brasília, Eixo Monumental, em fotografia infravermelha

(1) Um dos problemas apontados em relação ao Rio de Janeiro era a vulnerabilidade diante de eventual ameaça externa, por ser o litoral enorme e escassamente defendido. Com a instabilidade dos primeiros anos da República foram evidenciados também os problemas internos, com frequentes ameaças de revoltas que deixavam a população em polvorosa - basta lembrar a Revolta da Chibata (1910), quando marinheiros tomaram o controle de navios de guerra e ameaçaram bombardear a capital se suas reivindicações não fossem atendidas. Ameaça cumprida, aliás, ainda que levemente. 
(2) GAZETA DE NOTÍCIAS, 22 de janeiro de 1893.


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