terça-feira, 12 de dezembro de 2017

O trabalho do meirinho-mor, de acordo com as Ordenações do Reino

O que o trabalho do meirinho-mor nos ensina sobre a autoridade monárquica


"Você sabe com quem está falando?" - frases com conteúdo equivalente a esta existem há muito tempo e geralmente brotam da boca de quem acha que as leis e regras são necessárias e devem ser estritamente cumpridas - pelos outros, é claro.
Admitindo que gente poderosa, na eventualidade de cometer algum ato indevido, podia oferecer resistência à prisão, as antigas leis do Reino (¹) estipulavam que houvesse um funcionário para agir especificamente nestes casos: era o meirinho-mor. 
O Livro I, Título XVII das Ordenações do Reino (²) afirmava que ao meirinho-mor competia "prender pessoas de estado e grandes fidalgos e senhores de terras [...]". Ora, leitores, dessa breve determinação podemos extrair ao menos duas conclusões:
  • Nesse tempo, a gente que eventualmente se achava acima da lei e até acima da autoridade real incluía a nobreza e os grandes proprietários de terras, sem desconsiderar que, com certa frequência, as duas posições coincidiam em uma mesma pessoa;
  • O fato de que as leis previam um funcionário especificamente para assegurar que os infratores de alta posição social e/ou econômica fossem alcançados pela Justiça é indício de que, de outro modo, escapariam, fazendo burlas aos tribunais e à própria autoridade real, mesmo em um país de precoce centralização monárquica. 
À vista disso, meus leitores, respondam: Se era assim no Reino, como imaginar que em terras portuguesas na América, sendo poucas as autoridades e distante o governo, haveria pronta aplicação das leis? Como não seriam elas papéis, apenas papéis? Há coisas que os séculos não conseguiram apagar (ainda).

(1) O "Reino", neste caso, era Portugal; nos tempos coloniais, era comum que colonizadores do Brasil assim se referissem a seu país de origem.
(2) Compilação de leis publicada no começo do Século XVII, que vigorava em Portugal e em seus domínios (também no Brasil, portanto). A maioria das leis era de existência anterior. Neste blog é seguida a edição de 1824 da Universidade de Coimbra.


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