segunda-feira, 6 de abril de 2015

Como reconhecer uma testemunha falsa

Pinóquio, a personagem criada por Carlo Collodi, era, como os leitores bem sabem, um boneco de madeira metido a androide. Tanto assim que tinha uma característica humana em excesso - contava mentiras e mais mentiras. E, quanto mais mentia, mais seu nariz crescia...
Ora, imaginem se uma coisas dessas de fato acontecesse. Em pouco tempo não haveria lugar no mundo para tanto nariz. 
Falemos sério.
As Ordenações do Reino (¹) eram explícitas quanto às perguntas que deviam fazer os inquiridores, funcionários encarregados de ouvir as testemunhas dos feitos levados à Justiça:
"E bem assim perguntarão declaradamente pelo que sabem dos artigos, e não perguntarão por coisa alguma que seja fora do que neles se contém, e da matéria e caso deles. E se disserem que sabem alguma coisa daquilo por que são perguntados, perguntem-lhes como o sabem. E se disserem que o sabem de vista, perguntem-lhes em que tempo e lugar o viram, e se estavam ali outras pessoas que também o vissem. E se disserem que o sabem de ouvida, perguntem-lhes a quem o ouviram e em que tempo e lugar. E tudo o que disserem façam escrever, fazendo-lhes todas as outras perguntas que lhes parecerem necessárias para que melhor e mais claramente se possa saber a verdade." (²)
Acontece que as testemunhas prestavam depoimento tendo jurado, sobre os Evangelhos, que diriam apenas a verdade. Nem por isso devem supor os leitores que a veracidade estivesse assegurada. Havia também as penas da lei para os mentirosos.
Como saber, porém, que era falso o que uma testemunha dizia? Não havia, então, nenhum equipamento detector de mentiras. Competia ao inquiridor observar cada depoente com o máximo cuidado, conforme também estipulavam as Ordenações:
"E atentem bem com que aspecto e constância falam, e se variam, ou vacilam, ou mudam a cor, ou se se turvam na fala, em maneira que lhes pareça que são falsas ou suspeitas. E quando assim o virem ou sentirem, devem-no notificar ao julgador do feito [...] onde se tirar a inquirição [...]." (³)
Pode-se dizer que, reduzido à simples observação, ficava o caso entregue à subjetividade, já que uma testemunha podia apresentar os mesmos sinais apenas por nervosismo. Cabia, portanto, à Justiça, confrontar os vários depoimentos (quando havia mais de um), para chegar a uma conclusão. Imagine-se, agora, o que é que tudo isso significava em uma época que estava muito longe de ser democrática.

(1) As Ordenações foram compiladas e publicadas pela primeira vez no início do Século XVII. Vigoravam tanto em Portugal como em seus domínios coloniais, o que incluía o Brasil. 
(2) Ordenações do Reino, Livro Primeiro, Título LXXXVI, de acordo com a edição de 1824 da Universidade de Coimbra.
(3) Ibid.


Veja também:

2 comentários:

  1. Marta, adorei a sua descrição do Pinóquio, um boneco metido a androide que mentia desalmadamente. Muito bom! Se antigamente tudo se resumia à subjetiva observação, hoje há mentirosos profissionais que conseguem enganar detetores de mentiras... Quid juris?
    Beijinho, uma linda semana
    Ruthia d'O Berço do Mundo

    P.S. Pipocas de microondas apenas? Nada de amêndoas e chocolate? Por aqui, para além do almoço de Páscoa, tenho ainda o aniversário da minha mãe para somar aos exageros gastronómicos....

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    1. Hmmm, antigamente eu passava toda a Semana Santa fazendo comida especial, no pouco tempo livre que tinha. Acho que perdi o interesse.
      Chocolate é inimigo declarado da boa forma (talvez por isso eu goste tanto). As pipocas dão menos trabalho.

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