Não só a Grande História tem episódios notáveis. Podem acreditar, leitores: a História miúda também os tem, com mais sabor e encanto (às vezes) e um acento de tragédia (também eventualmente). O caso de que trataremos hoje foi contado por Antônio de Santa Maria Jaboatão, que, mesmo não impondo data estrita ao acontecimento, fez menção dele no contexto do estabelecimento de povoações de colonizadores e do confronto com povos indígenas no Nordeste brasileiro. Refere-se a um curioso indivíduo, autoproclamado "rei do Brasil".
Chamava-se Sebastião de Pontes, era português e tinha dois engenhos na Bahia. Queria mais, e foi tratar do estabelecimento de um terceiro engenho, para o qual projetou contar com o trabalho de indígenas escravizados. "[...] fabricou o terceiro engenho", escreveu Jaboatão, "domesticando [sic] muitos dos naturais tapuias ao seu mando e serviço, fazendo-se na terra, sobre poderoso, insolente". (¹)
Os empreendimentos iam bem, tão bem que o sujeito começou, em suas gabolices, a se dizer rei das terras em que pisava. Podia ser apenas bazófia, mas, nesse tempo, mesmo uma brincadeira de tal espécie era perigosa (²). Não tardou para que o tagarela fosse denunciado e, por essa razão, conduzido ao Reino, onde o hospedaram na mais famosa das prisões, da qual não sairia senão após exalar o último suspiro. Continua o relato de Antônio de Santa Maria Jaboatão: "[...] foi acusado na Corte e entre os crimes que imputaram os ofendidos, foi nomearem-no por rei ou régulo do Brasil, pelo qual foi levado ao Reino e, do Limoeiro, sem se falar mais nele, depois de muitos anos foi levado à sepultura, com o custo só de um tostão [...]" (³). Final melancólico, sem dúvida, para o reizinho inconsequente.
(1) JABOATÃO, Antônio de Santa Maria O.F.M. Novo Orbe Serafico Brasilico, ou Crônica dos Frades Menores da Província do Brasil, Primeira Parte, Rio de Janeiro: Typ. Brasiliense, 1858, p. 94.
(2) Muito mais juízo que Sebastião de Pontes teve Amador Bueno, a quem, no Século XVII, tentaram fazer rei em São Paulo. Percebendo o problema em que poderia ser envolvido, recusou peremptoriamente a "aclamação".
(3) JABOATÃO, Antônio de Santa Maria O.F.M. Op. cit., p. 94.
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