Todo jovem estudante brasileiro, quando apresentado às questões relacionadas ao Período Colonial, logo aprende que os figurões da época eram mesmo os senhores de engenho. Tinham o controle da produção de açúcar (a grande riqueza da terra e fonte de lucros para o Reino), eram donos do dinheiro e não economizavam na ostentação (embora dentro de casa fossem descuidados no vestuário); faziam e desfaziam no controle político das povoações próximas aos engenhos e, em suas residências, eram os mandões absolutos, com uma autoridade de vida e morte sobre todos os subordinados, o que incluía mulher e filhos, trabalhadores assalariados, vizinhos cultivadores de cana-de-açúcar e toda a escravaria de sua propriedade.
A lei dificilmente os alcançava. Há relatos verídicos de um senhor que executou a nora por suposto adultério e de outro que mandou matar um filho por suspeitá-lo interessado em uma sua amante. A exploração sexual das escravas era coisa corriqueira e - absurdo dos absurdos - muitas vezes os filhos que disso procediam eram conservados na escravidão.
Torturar escravos era, por gente assim, entendido como um direito de propriedade. Não tinham pago pelos cativos? Então, segundo essa lógica, podiam fazer deles o que bem entendessem.
Com tudo isso, eram os senhores de engenho, ao menos formalmente, muito religiosos. Iam às missas, aparentavam respeitar os padres, muitos tinham capela e capelão próprio em suas terras, reputavam por grandíssima honra ter um religioso na família (¹). Não deixavam de ser, contudo, o maior entrave à catequese, tanto de índios como de africanos, no dizer dos próprios missionários, e isso em virtude do mau exemplo que ofereciam. O açúcar era produzido à custa de muito pecado, é o que se deduz deste trecho escrito pelo padre jesuíta Fernão Cardim:
"Os encargos de consciência são muitos, os pecados que se cometem neles (²), não têm conta; quase todos andam amancebados por causa das muitas ocasiões; bem cheio de pecados vai esse doce, porque tanto fazem; grande é a paciência de Deus, que tanto sofre." (³)
Estava o Século XVI marchando para o final quando Cardim escreveu as palavras que acabo de citar. Nem havia chegado ainda o apogeu da produção açucareira. Até lá, quanto mais não aconteceria!
(1) Embora não fosse regra geral, quase sempre o "escolhido" para ser padre era o filho mais novo; em contrapartida, esse rapazinho teria acesso a uma coisa que estava ao alcance de poucos na Colônia: estudo!
(2) Nos engenhos.
(3) CARDIM, Pe. Fernão, S. J. Narrativa Epistolar de Uma Viagem e Missão Jesuítica. Lisboa: Imprensa Nacional, 184.
Veja também:
Triste período histórico, que devemos sempre lembrar como lição para a Humanidade. Percorremos um longo caminho desde então, mas ainda assim o homem continua a ser "o lobo do homem", como um dia Hobbes tão bem resumiu a questão.
ResponderExcluirAbraço, uma doce semana
Ruthia d'O Berço do Mundo
Concordo plenamente. Acho que, pelo menos em termos legais, a humanidade até melhorou um pouco. A prática, no entanto, continua a ser um grande problema. No caso específico do Brasil, sempre há, em lugares distantes do interior, gente disposta a burlar as leis, conservando trabalhadores em situação análoga à escravidão. A legislação é severa; difícil é fiscalizar seu cumprimento.
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