segunda-feira, 21 de abril de 2014

"Terrenos ocupados por indígenas ferozes"

O leitor brasileiro que souber um mínimo de geografia considerará que o mapa abaixo, da Província de São Paulo em 1868 (*), tem um aspecto algo diferente do de um mapa atual. Primeiro, as proporções não parecem muito corretas - a cartografia progrediu muito em um século e meio. Depois, as divisas estaduais também são estranhas, até porque algumas dúvidas, nesse sentido, só foram resolvidas após a data do mapa em análise.


O aspecto mais curioso, no entanto, fica no lado esquerdo, em coloração rosada: um área considerável da Província de São Paulo identificada como sendo "terrenos ocupados pelos indígenas ferozes".
Antes de mais nada, esse "detalhe" nos mostra que, à época, a urbanização de São Paulo era ainda muito restrita. A ocupação de terras para cultura do café ia já empurrando a colonização cada vez mais rumo ao interior, mas, claramente, ainda não chegara à área rosa... Vale, pois, explicar, que a denominação que no Segundo Império era dada à nova e altamente promissora região cafeeira - o "Oeste Paulista" - nada tinha a ver com o Oeste geográfico da Província, que era, se nos ativermos ao mapa que hora estudamos, ainda de posse dos "indígenas ferozes". O "Oeste Paulista" do café era centrado em Campinas e adjacências, e recebeu esse nome porque, sendo o Vale do Paraíba a área original de produção cafeeira, os fazendeiros que abriam novas frentes para a lavoura iam, aproximadamente, para o Oeste, isso em relação ao Vale do Paraíba, e não em termos geográficos absolutos.
Finalmente, há a considerar o que ocorreu aos "ferozes habitantes" da temida área rosa, já que a expansão da lavoura cafeeira e a construção de ferrovias iria, logo, chegar lá também. As populações indígenas sobreviventes seriam, aos poucos, empurradas rumo ao interior. Digo sobreviventes porque, de forma deliberada ou não, a população indígena foi sendo consumida por doenças. O relacionamento com colonizadores levava até eles enfermidades às quais não resistiam. Perversamente, fazia-se o possível, às vezes, para que tivessem contato com a varíola, que era entre eles particularmente devastadora. Some-se a isso os confrontos armados entre indígenas e colonizadores e ter-se-á uma ideia de alguns dos motivos pelos quais, olhando para um mapa atual de São Paulo, as coisas sejam tão diferentes do que eram em 1868. A vinda maciça de colonos europeus modificou sensivelmente o padrão étnico na área. Restou, se é que é consolo, um acento no falar que, esse sim, reporta aos antigos habitantes da região.

(*) ALMEIDA, Cândido Mendes de (org.). Atlas do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Lithographia do Instituto Philomathico, 1868.


Veja também:

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Democraticamente, comentários e debates construtivos serão bem-recebidos. Participe!
Devido à natureza dos assuntos tratados neste blog, todos os comentários passarão, necessariamente, por moderação, antes que sejam publicados. Comentários de caráter preconceituoso, racista, sexista, etc. não serão aceitos. Entretanto, a discussão inteligente de ideias será sempre estimulada.