Um rapazinho que vivesse em alguma cidade europeia em fins da Idade Média teria de passar por um longo processo de formação, caso desejasse ser um artesão qualificado e com a devida licença para trabalhar na corporação de ofício que lhe correspondia.
Como ainda hoje acontece, havia meninos que queriam seguir a profissão do pai, para perpetuar algum ramo de atividade familiar. Mas, como também acontece até hoje, havia quem quisesse ter uma profissão completamente diferente daquela exercida por seus ancestrais. Na Idade Média, convenhamos, o caminho ficava mais difícil: era preciso deixar a própria família e ser aceito como aprendiz na oficina de um mestre do ofício desejado (¹), e isto significava ir morar lá, com outros aprendizes, fazendo todo o trabalho ordenado, por horas, dias e anos a fio. Não se deve imaginar que os ditos aprendizes fossem tratados com muita gentileza. A educação medieval não era para tanto.
O tempo passava e, penosamente, o jovem adquiria as habilidades necessárias para ser aprovado em um exame rigoroso em sua corporação. A partir daí, era visto como um profissional, ainda trabalhando com seu mestre, para juntar o dinheiro necessário a fim de, algum dia, ser também um mestre, com oficina própria e aprendizes.
Se fizermos o cronômetro da eternidade retornar ao Século XVIII a.C., iremos encontrar na Mesopotâmia um modo de aprendizado profissional que, a seu modo, antecipava o padrão da Baixa Idade Média (²). Ditava o Código de Hamurabi:
"Se um artesão adota um menino para criá-lo e lhe ensina seu ofício, essa criança não poderá ser reclamada de volta. Mas, se o artesão não lhe ensinar o ofício, o filho adotivo poderá voltar à casa de seu pai."
De saída, é possível constatar que a criança adotada não era órfã ou abandonada, já que, se não fosse devidamente ensinada em um ofício, poderia retornar à família de origem. Sabe-se que, na Antiguidade, havia pessoas que, não tendo de modo algum um filho "natural", adotavam um sucessor (³), que deveria exercer funções sacerdotais em sua nova família ou clã, mas a questão decisiva, aqui, parece ser outra, ou seja, o ensino de uma profissão: um artesão adotava um menino para fazer dele alguém de seu ofício, na expectativa, talvez, de ter nesse jovem aprendiz um auxiliar.
Alguma semelhança entre o ensino profissional dos antigos mesopotâmios e o das corporações de ofício medievais? Sim, mas sem qualquer intencionalidade (⁴). A História tem dessas coisas.
(1) Legalmente, o jovem medieval que deixava a família para aprender uma profissão não era considerado filho do mestre de ofício com quem ia morar. Em alguns casos, a família de origem do jovem até pagava pelo ensino profissionalizante que o filho recebia.
(2) Dependendo do lugar, o sistema de controle e ensino mediante corporações de ofício continuou a existir muito além dos tempos medievais.
(3) Esse procedimento foi bastante comum entre os romanos. Inicialmente, a adoção tinha por objetivo assegurar a existência de alguém que continuasse o culto aos antepassados da família. Mais tarde, as adoções passaram a ter enorme significado político: mesmo tendo filhos biológicos, houve imperadores que adotaram outros indivíduos, tencionando fazê-los seus sucessores no poder.
(4) Quem vivia na Idade Média não sabia nada a respeito de Hamurabi e seu famoso Código. Isso vale inclusive para os eruditos da época.
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(4) Quem vivia na Idade Média não sabia nada a respeito de Hamurabi e seu famoso Código. Isso vale inclusive para os eruditos da época.
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