quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Com que se parece uma preguiça?

A preguiça é, como se sabe, um animal muito lento. Seria injustiça dizê-la preguiçosa - não é defeito de caráter, mas culpa da taxa de metabolismo.
Vem do padre Anchieta (¹) a mais perniciosa descrição das preguiças que conheço:
"Há outro animal que os índios chamam aig e nós "preguiça", por causa da sua excessiva lentidão em mover-se; na verdade preguiçoso, pois é mais vagaroso que um caracol; tem o corpo grande, cor de cinza, a sua cara parece assemelhar-se alguma coisa do rosto de uma mulher [...]." (²)
Parecida com o "rosto de uma mulher"? Ora, bem se vê que Anchieta não entendia mesmo do assunto...
Era voz corrente no Século XVI que indígenas comiam qualquer coisa que encontravam, exceto aranhas (³). Tolice! Segundo Gabriel Soares, senhor de engenho e contemporâneo de Anchieta, indígenas do Brasil não comiam a carne das preguiças:
"[...] Acontece muitas vezes tomarem os índios um destes animais [as preguiças], e levarem-no para casa, onde o têm quinze e vinte dias, sem comer coisa alguma, até que de piedade o tornam a largar; cuja carne não comem por terem nojo dela." (⁴)
A explicação mais provável é esta: vários povos indígenas achavam que comer a carne de outro ser vivo (depois de morto, naturalmente) permitia adquirir algumas de suas características (⁵). Uma prova acabada desse fato é o modo como aqueles que praticavam a antropofagia repartiam a carne do prisioneiro que sacrificavam. Pois bem, no caso da preguiça, a razão para não incluí-la na dieta torna-se evidente - não queriam adquirir a lennnnnnnnnnntidão do animal.

Representação bastante razoável de uma preguiça (⁶)
Que tal esta outra, leitores? É do Século XVII... (⁷)

(1) Em carta escrita em São Vicente no ano de 1560, tendo por destinatário o Geral dos jesuítas, que era, na época, Diego Laynez.
(2) ANCHIETA, Pe. Joseph de, S.J. Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1933, p. 106.
(3) Essa e muitas outras tolices semelhantes eram resultado de um conhecimento ainda escasso sobre a diversidade cultural dos povos indígenas.
(4) SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. Rio de Janeiro: Laemmert, 1851, p. 258.
(5) Como a força, por exemplo, mas não sua aparência.
(6) SELLIN, Alfred Wilhelm. Das Kaiserreich Brasilien. Leipzig: Frentag, 1885, p. 52.
(7) PISO/PIES, Willen et MARKGRAF, Georg. Historia naturalis Brasiliae. Amsterdam: Ioannes de Laet, 1648, p. 221.


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2 comentários:

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