segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Economia de papel

No Brasil Colonial papel era caro e devia ser economizado


Papel é um artigo muito barato, e pouca gente faz dele alguma economia, embora seja razoável pensar nisso, não pelo preço, mas por razões ecológicas. É pouco provável que hoje em dia alguém diga que não pode aprender a ler e escrever porque não tem papel para as lições. Mais comum, mesmo, é o desperdício, e nem passa pela cabeça dos esbanjadores que já houve tempos em que papel era muito caro, um verdadeiro artigo de luxo, para falar a verdade.
Sucede que os métodos antigos empregados na fabricação do papel encareciam bastante o produto final, e não foram poucas as tentativas para baratear o processo (lembram-se de Ilusões Perdidas, de Balzac?), até que, finalmente, a obtenção de celulose a partir de algumas espécies vegetais desse os melhores resultados - para desespero das árvores, claro. O fato é que pouco pensamos no quanto o acesso a papel de baixo custo revolucionou este planeta: a invenção da imprensa com tipos móveis foi fundamental para a difusão da cultura, mas, mesmo com ela, os livros ainda eram caros, embora não tanto quanto os que eram feitos por copistas. Foi somente com o barateamento do papel que os livros chegaram a ser acessíveis à maioria das pessoas. Se alguém duvida disso, basta comparar, em termos de quantidade, o acervo médio das grandes bibliotecas medievais àquilo que encontramos hoje em qualquer modesta biblioteca pública dos municípios do interior do Brasil.
No Brasil Colonial não era raro que faltasse papel, daí porque quem precisava escrever devia economizá-lo. Não era apenas uma questão de preço. O papel tinha de vir do Reino, e, como para algumas regiões, como a Capitania de São Vicente, por exemplo, apenas um navio fazia a rota Lisboa - Santos a cada ano, se o papel acabasse, não seria possível arranjar mais até que o próximo navio chegasse. Sabemos, pelo que escreveu o jesuíta Manoel da Fonseca, que o Padre Belchior de Pontes, para economizar papel, não ia além de meia folha quando escrevia alguma de suas cartas:
"[...] Até nas cartas mostrava o amor que tinha a esta virtude (¹), porque guardando o louvável costume, que havia nesta Província, de não gastar mais de meia folha de papel, de tal sorte se acomodava na escrita, que não excedia tão santa lei." (²)
Hoje, quando queremos escrever, já não precisamos de papel, e a velha máxima popular que dizia que "papel aceita tudo" começa a perder o sentido. Quanto ao papel, é certo, porque outras mídias são, agora, ainda mais receptivas. Mas isso tem lá suas vantagens, porque permite um acesso democrático não apenas à informação, como também à livre expressão das ideias, para um número cada vez maior de pessoas. A conclusão disso é que, naturalmente, precisa ser cada vez maior a capacidade de filtrar aquilo que é útil, em meio a um dilúvio de ideias nem sempre muito recomendáveis. Um conselho muito antigo, com quase dois mil anos, tem, por isso, até mais importância hoje do que tinha quando originalmente foi escrito: "Omnia autem probate quod bonum est tenete..." (³) Ou seja: Provem tudo e fiquem com o que é bom.

(1) Referia-se à obediência que todo jesuíta professava, além de, no contexto do trecho citado, tratar também da pobreza.
(2) FONSECA, Manoel da, S.J. Vida do Venerável Padre Belchior de Pontes, da Companhia de Jesus da Província do Brasil. Lisboa: Off. de Francisco da Silva, 1752. Reedição da Cia. Melhoramentos de S. Paulo, p. 40.
(3) Epistula ad Thessalonicenses I 5, 21. 


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4 comentários:

  1. Os antigos diziam que "era verdade porque tinham visto na televisão", hoje os miúdos assumem o mesmo comportamento com a internet. Senso crítico é muito preciso e muito urgente.
    Aplausos, Marta.
    Beijinhos e um doce restinho de semana
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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    1. Está certíssima. Parece que quase tudo, na sociedade, contribui para limitar o pensamento crítico. Difícil é encontrar solução...

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  2. À época, o papel era caro no Brasil e em qualquer parte do mundo, ou seja, era um bem muito apreciado. Hoje, de tão comum, a preocupação é que ele não polua.
    Como muito bem disse Camóes, em máxima adaptável a mil e uma circunstâncias, "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades".

    Um beijinho, Marta :)

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    1. O problema é que no Brasil havia o agravante de que o papel precisava atravessar o Atlântico, e isso não era pouco.
      Bem lembrada a citação de Camões. Talvez pudéssemos dizer, hoje, que mudam as mídias, mas a escrita continua (ainda bem!).

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