Araras-canindé (Ara ararauna) - Seriam parentes das araras que acompanhavam o Padre José de Anchieta? |
Vocês, leitores, têm ou já tiveram algum animal de estimação? Talvez possamos dizer que o Padre José de Anchieta (¹) tinha: eram duas araras-canindé, que lhe faziam companhia quando ia ele de um lugar a outro em seus afazeres missionários.
Ora, não imaginem que isso é excesso de imaginação. Na segunda metade do Século XVII o Padre Simão de Vasconcelos escreveu uma biografia intitulada Vida do Venerável Padre José de Anchieta, cujo objetivo era reforçar a campanha em favor da canonização de seu irmão de Ordem, iniciada em 1617 (²). A obra é uma vasta coleção de narrativas que hoje a maioria de nós talvez considere como lendas piedosas, respeitando-se, porém, a opinião de quem possa entendê-las como relatos de eventos sobrenaturais. Pois bem, voltando ao caso das araras de estimação, creio que quem conhece os hábitos dessas aves irá concordar que, ressalvado algum exagero, a coisa bem pode ter acontecido, não sendo preciso, para tanto, a interferência de fatores miraculosos. O elemento curioso fica por conta de uma discreta sugestão de que Anchieta fosse, talvez, um pregador demasiado falante:
"Dos canindés se afirma que andavam tão prontos à sua obediência como se foram dois servos seus. Quando havia de ir pregar José a outras igrejas da Vila, acompanhavam-no, como se tiveram razão, a pé e voando, e subindo ele ao púlpito, subiam eles ao campanário e perseveravam esperando enquanto o Padre pregava, e o que mais admira é que, quando era longo na pregação, grasnavam alto para que os ouvissem e acabasse. E eram tão entendidos do Pregador, que por vezes foi ouvido responder-lhes do púlpito, dizendo: "Logo acabaremos, logo acabaremos". E outra vez disse ao auditório: "É bem que acabemos, que têm razão", aludindo às vozes de seus pássaros, que ele entendia e lhe serviam de admonitores da parte de Deus." (³)
Interpretem essa história como melhor entenderem, leitores. Mas, convenhamos, ela não deixa de ter seu lado divertido.
Onde teriam vivido essas araras-canindé que eram tão afeiçoadas a Anchieta? Embora o padre Simão de Vasconcelos não seja explícito, o rumo da narrativa sugere que foi no litoral no Espírito Santo, onde Anchieta passou os últimos anos de vida. Se for assim, e admitindo que a história seja autêntica, poderemos entender que, no Século XVI, as araras-canindé eram encontradas em uma área mais ampla do que aquela que é, hoje, considerada seu habitat no Brasil.
Interpretem essa história como melhor entenderem, leitores. Mas, convenhamos, ela não deixa de ter seu lado divertido.
Onde teriam vivido essas araras-canindé que eram tão afeiçoadas a Anchieta? Embora o padre Simão de Vasconcelos não seja explícito, o rumo da narrativa sugere que foi no litoral no Espírito Santo, onde Anchieta passou os últimos anos de vida. Se for assim, e admitindo que a história seja autêntica, poderemos entender que, no Século XVI, as araras-canindé eram encontradas em uma área mais ampla do que aquela que é, hoje, considerada seu habitat no Brasil.
Ao narrar as aventuras de seu biografado, o padre Simão de Vasconcelos não poucas vezes relatou conversas de Anchieta com animais, afirmando que sempre o fazia "em língua brasílica", ou seja, no falar indígena para o qual, por ter tão bem aprendido, chegara a escrever uma gramática. Talvez a intenção de Vasconcelos fosse, ao exaltar as virtudes heroicas de Anchieta, incluir no relato de sua vida uma similaridade ao se atribui a um canonizado muitíssimo famoso, falecido em Assis no ano de 1226 - até porque, no Brasil do Século XVI, não faltavam aves e animais com que alguém a eles afeito, pudesse, querendo, conversar.
(1) 1534 - 1597.
(2) O longuíssimo processo, iniciado em 1617, resultou na beatificação em 22 de junho de 1980 e na canonização, finalmente, em 3 de abril de 2014.
(3) VASCONCELOS, Pe. Simão de S.J. Vida do Venerável Padre José de Anchieta. Lisboa: Oficina de Ioam da Costa, 1672, pp. 333 e 334.
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