quinta-feira, 16 de setembro de 2010

As eleições no Brasil Imperial: Valia (quase) tudo para vencer

"Saíram para a luta eleitoral. No meio do caminho, o Romualdo teve uma reminiscência de Bonaparte, e disse ao amigo: “Fernandes, é o sol de Austerlitz!”
Pobre Romualdo, era o sol de Waterloo.
— Ladroeira! bradou o Fernandes. Houve ladroeira de votos! Eu vi o miolo de algumas cédulas.
— Mas por que não reclamaste na ocasião? disse Romualdo.
— Supus que era da nossa gente, confessou o Fernandes mudando de tom."
Machado de Assis, O Programa

Na postagem anterior expliquei como funcionava o sistema eleitoral no Brasil Império. Agora tratarei das implicações práticas de tal sistema.
Surge logo a questão: como controlar o que ocorria nas eleições em cada paróquia, em um país enorme, no qual, àquela época, os meios de comunicação e transporte eram quase inexistentes? A resposta é simples: o controle era muito difícil, de modo que, geralmente, imperava o mais forte, mais poderoso, mais astuto, donde se depreende que a lisura, em geral, passava longe das urnas. Alguns breves documentos podem iluminar a compreensão do leitor.
O jornal Aurora Paulistana, na edição de 13 de novembro de 1852, trouxe o seguinte relato:
"O Martins teve o desembaraço de mandar na véspera da eleição agarrar em um alferes M. J. levá-lo para sua casa, conduzi-lo no dia seguinte na sege, fazendo-o sentar ao pé de si na igreja, encarando com olhar ameaçador a todos que a ele se aproximavam, e finalmente só o deixou depois que o pobre homem corrido de vexame lançou na urna a cédula favorita.
O mesmo Martins sabendo na antevéspera que alguns votantes do Cubatão não vinham exercer o seu direito, lá se apresentou com o seu ajudante de campo Ignácio, e ali disseminou o terror, e ameaçou a esses pobres homens, alguns dos quais vieram votar com a oposição contra sua vontade."
Ainda na mesma edição apareceu esta outra notícia, obviamente em tom jocoso, mas que sugere com nitidez o clima reinante nas eleições:
"Somos neste momento informados que partiu ontem à tarde para a Freguesia do Ó o Sr. Dr. Pinto Júnior e que aí chegando, de combinação com o Sr. Prudêncio da Cunha Brito se puseram a induzir a quanto votante encontravam a ir para uma casinhola, onde ainda se acham como presos incomunicáveis, e alguns contra sua vontade.
Faz muito bem, ilustre Dr., desta vez é certa a entrada na chapa para a próxima deputação geral. Tais serviços não podem ser desprezados. Os Srs. Broterinho e Martim por certo não têm mais direito.
Pedimos ao governo alguma providência a respeito, pois ainda é tempo."
Pode-se argumentar que o Aurora Paulistana era jornal partidário (às voltas com a dor de cotovelo de um mau desempenho nas urnas), mas fica evidente que, em alguns casos, as eleições que espantavam a modorra das cidades e povoações podiam ser, de fato, motivo de pavor, e não o exercício legítimo de um direito.
É certo que, em alguns momentos, as autoridades intervinham, como neste caso em que o Imperador decidiu anular eleições claramente viciadas, mas há que reconhecer nisso a exceção e não a regra:
"Tendo-se conformado Sua Majestade o Imperador por Sua imediata Resolução de 27 do mês último, com o Parecer da Seção dos Negócios do Império do Conselho de Estado, exarado em Consulta de 19 do mesmo mês, sobre as irregularidades de que foram arguidas algumas das eleições a que se procedeu nas diferentes Paróquias do Município da Corte para Vereadores e Juízes de Paz no dia 7 de setembro do ano findo: Há por bem mandar declarar nulas as que foram feitas nas Paróquias de Santo Antônio dos Pobres, e de São João Batista da Lagoa pelos seguintes motivos:
Quanto à primeira das referidas Paróquias, constando das respectivas Atas, sem explicação satisfatória, que na urna foi encontrado maior número de cédulas para Vereadores do que para Juiz de Paz, e que o número das apuradas tanto para uns como para outros não coincide com os das que se declara terem sido recebidas e contadas, revela isto preterição de preceitos os mais importantes da Lei [...].
Pelo que respeita à Paróquia de São João Batista da Lagoa acha-se provado que foram introduzidas na urna cédulas em número superior ao dos Cidadãos que votaram [...]."
Ministério dos Negócios do Império em 2 de janeiro de 1857. (*)
Observe-se, no entanto, que as eleições haviam ocorrido em 7 de setembro de 1856; a anulação foi procedida somente em 2 de janeiro do ano seguinte. Portanto, a morosidade era, claramente, uma aliada poderosa da fraude. São tratados aqui incidentes ocorridos no próprio Município da Corte. Como lidar com o que podia acontecer em algum ponto extremo do País?
Pois bem, este foi um rápido, ainda que significativo olhar, sobre as falcatruas usuais nas eleições há cerca de 150 anos. Os mais jovens dentre os que leem esta postagem devem estar surpresos, diante de tanta corrupção...
Desculpem-me, meus leitores, se os decepciono, mas não creio que fique bem usar emoticons em um blog tão sério.

(*) Collecção das Decisões do Governo do Império do Brasil, tomo XX. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1857, pp. 2 e 3.


Veja também:

2 comentários:

  1. Itamar, você está certo, se levarmos em conta o que nós chamamos eleição em uma sociedade democrática. Acontece que naquela época o Brasil era uma monarquia e, nesse sentido, apenas pelo fato de ter algum tipo de eleição, já se considerava um avanço. O grande problema era a corrupção que perpassava todo o sistema.

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