quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Cobras, lagartos e outros bichos - De que se alimentava a população das minas coloniais quando faltava comida

Afoitos pela busca do ouro, os mineradores estabelecidos precariamente nas Gerais enfrentaram, por vezes, situações extremas de falta de alimentos. Há relatos de alguns que, na ausência de suprimentos adequados, acabaram comendo lagartixas, lagartos, cobras, içás e lagartas encontradas na madeira apodrecida de algumas árvores. A febre das riquezas que podiam vir rapidamente levava multidões ao esquecimento de uma das mais básicas condições para a sobrevivência, ou seja, a necessidade de que fossem estabelecidas lavouras dos gêneros necessários ao sustento de tanta gente.
Já nas minas de Cuiabá uma série de fatores veio a contribuir para que a fome grassasse no ano de 1725, levando a população mineradora às raias do desespero, em decorrência da falta geral de víveres. Sem poder contar com o abastecimento que vinha de longe, já que uma monção que devia conduzi-los foi exterminada em combate com indígenas, restava à população sobreviver apenas de produtos locais. Ocorre que, a despeito de neste caso haver roças, duas pragas terríveis - de ratos e de gafanhotos - destruíram praticamente toda a safra de milho e feijão. Nos extremos da penúria, consta que um frasco de sal chegou a ser cotado a meia libra de ouro, enquanto que um casal de gatos (para combater os ratos) foi vendido por nada menos que uma libra (¹).
Um século mais tarde, fazer a jornada fluvial pela mesma antiga rota das monções podia, ainda, significar a necessidade de "adaptação" a alimentos que pareciam ser algo estranhos, conforme sabemos pelo relato de um dos desenhistas da Expedição Langsdorff, Hércules Florence:
"Deixando a monção continuar a subir o rio com a habitual lentidão, fomos, eu e os Senhores Riedel e Taunay, por terra umas duas léguas até ao salto do Corau. Não leváramos senão uma espingarda de caça, algumas cargas de chumbo fino, uma bala e dois biscoitos que constituíram nosso jantar. Chegamos antes do pôr do sol ao salto, demo-nos pressa em formar provisório abrigo com folhas de palmeira guacuri. Felizmente matou o Sr. Taunay um lagarto que nos serviu de ceia e que a fome transformou em manjar suculento. Deparou-se-nos também um cacho de bananas que pendia de raquítico tronco. Caso houvessem estado maduras, não teriam escapado à gente de Costa Rodrigues: por incomíveis as deixaram, mas nosso apetite era tal que, assadas assim mesmo verdes, foram regalo precioso." (²)


(2) FLORENCE, Hércules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. Brasília: Ed. Senado Federal, 2007, p. 63.


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