quarta-feira, 15 de maio de 2024

Barbeiro do Século XVI que usava a flora nativa para tratar doentes

Foi no Século XVI, quando Antônio Salema era governador no Rio de Janeiro. Tomou-se a decisão de pôr um fim aos ataques dos tamoios, destruindo-os por completo. Os que não morreram, foram escravizados. Gentil contato esse, entre colonizadores e indígenas!...
É aí que entra uma história interessante, contada por Joaquim Manuel de Macedo em Memórias da Rua do Ouvidor, atribuindo-a a certa tradição, ainda que pouco documentada. Um barbeiro, que também se declarava cirurgião, e cujo nome era Aleixo Manuel, participou do grupo de colonizadores que foi à guerra contra os indígenas e, como recompensa, trouxe para si dois escravos, uma menina de três anos e o avô, com mais ou menos sessenta. Fez batizar a ambos, chamando-os, respectivamente, Inês e Tomé.
Acontece que, naqueles tempos em que médicos de verdade não eram frequentes nas terras portuguesas na América, era ao barbeiro, que se afirmava cirurgião, que se recorria, não só para fazer a barba e cortar o cabelo, mas para extrair dentes, para pequenas cirurgias e até para medicamentos, mesmo sabendo que os da época eram poucos e, em geral, ineficazes. A esperança é a última que morre, e, muitas vezes, morria com os doentes.
Pois bem, o esperto Aleixo Manuel logo se deu conta de que, trazendo consigo o indígena que escravizara, tinha à disposição uma mina de ouro:
"Aleixo Manuel colheu em breve proveitoso e merecido prêmio de seu nobre e generoso impulso de amor ao próximo para com os dois infelizes. Tomé, mandado por seu senhor a trazer-lhe do monte do Desterro (depois de Santa Teresa) a famosa e ótima água de Carioca, internava-se na floresta, e nela recolhia ervas, folhas, cortiças e raízes de árvores, cujas virtudes medicinais, por experiência, embora rude, conhecia, e as levava ao cirurgião a quem indicava as moléstias em cujo tratamento elas aproveitavam." (¹)
Não, o tal barbeiro e cirurgião não se abalava a fazer um estudo científico das propriedades das plantas que o indígena Tomé lhe trazia, nem se supunha que tivesse conhecimento para tanto. Mas, em uma terra onde os recursos médicos faltavam quase completamente, o simples fato de que alguns desses vegetais, cujo uso Tomé conhecia empiricamente e/ou por tradição recebida de seus ancestrais, fossem efetivos para algumas moléstias, foi suficiente para fazer com que, em breve, Aleixo Manuel se tornasse famoso no Rio de Janeiro, e chegasse a prosperar, no contexto em que vivia:
"Com esses novos recursos terapêuticos, Aleixo Manuel começou, graças ao pobre escravo, a distinguir-se por admiradas vitórias médicas, ganhou fama, teve clínica extensa e rendosa, reconstruiu sua cabana que se tornou casa muito regular e de bonito aspecto exterior, bem que de um só pavimento, e adicionou-lhe a um lado uma cerca ou gradil de varas, fechando pela frente pequeno jardim e canteiros de legumes, seguindo-se para o fundo o quintal." (²)
Macedo, que era médico por formação, deve ter-se divertido ao contar essa história. Havia nela, contudo, um conceito de importância: a flora nativa do Brasil tinha e tem muito a oferecer. Mesmo bastante estudada, está longe de ter revelado, já, todos os seus segredos. 

(1) MACEDO, Joaquim Manuel de. Memórias da Rua do Ouvidor.
(2) Ibid. 


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