quarta-feira, 6 de março de 2024

Óleo de baleia para reforçar construções

As baleias já foram muito numerosas ao longo do litoral brasileiro. Apareciam em belo espetáculo, muitas vezes acompanhadas de filhotes, mas nada disso despertava a ternura dos colonizadores. As baleias foram, portanto, impiedosamente caçadas. Não se queria a carne, ainda que fosse dada aos escravos. O que se esperava era obter delas a gordura, chamada também de óleo ou azeite de baleia, usado na iluminação pública e das residências.
A vaidade era outra fonte de assassinato das pobres criaturas. Eu disse vaidade? Talvez devesse dizer tortura. As barbatanas eram empregadas na confecção de espartilhos, aqueles instrumentos deprimentes que mulheres usavam para dar ao corpo um contorno supostamente mais favorável.  
Alguém, contudo, descobriu que as borras de azeite de baleia - entenda-se, sobras de azeite de baleia - podiam ter alguma utilidade. Em Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro, José Vieira Fazenda afirmou:
"É sabido: os antigos construtores serviam-se dessa borra [...] ligada à cal do reino para as edificações, e é por isso que nas demolições de antigos edifícios é preciso muitas vezes empregar a dinamite (¹). Um rico contratador ofereceu ao vice-rei, marquês de Lavradio, os resíduos do azeite para as obras da Casa do Trem em vez de lançá-los fora da barra (²). Deram as experiências bom resultado e o marquês recomendou à munificência régia esse benemérito [...]." (³)
Em Paraty, há algum tempo, um morador da cidade mostrou-me um muro e assegurou-me que, mesmo restaurado, ainda tem uma parte original, feita com pedra e massa na qual se incluíra o óleo de baleia, evidência de que essa prática teve certa amplitude nos tempos coloniais. 

Muro em Paraty, que se afirma ter sido originalmente construído
com adição de óleo de baleia 

(1) Segundo o autor citado, que seja entendido. 
(2) Certas preocupações ambientais que hoje povoam nossa cabeça não eram exatamente uma prioridade no Século XVIII, ainda que seja justo reconhecer o mérito de quem tentou achar um uso digno para as sobras do óleo de baleia. Melhor seria que as mamíferas houvessem continuado a viver e procriar sem obstáculos e ameaças nos mares deste planeta. 
(3) FAZENDA, José Vieira. Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1940, p. 439.


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