quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

A veneração dos mortos na Roma Antiga

Os antigos egípcios gastavam muito tempo da vida trabalhando para a morte. Embora túmulos suntuosos e mumificação de primeira classe só estivessem ao alcance dos ricos e poderosos, até mesmo os mais modestos camponeses tomavam alguma providência, para si mesmos (antecipadamente) ou para os parentes, na suposição de que a preservação do corpo era essencial para assegurar outra vida após a morte
Gregos da Antiguidade, por sua vez, não tinham o costume de mumificar o corpo dos mortos, mas julgavam indispensável um sepultamento digno, seguindo certos rituais para evitar que o morto, sob uma forma etérea, ficasse importunando os vivos, em lugar de ir para o escuro e frio submundo governado por Hades.

Pedra tumular de um casal romano (¹)

Romanos, a princípio, também enterravam os mortos; só mais tarde é que as piras funerárias foram adotadas em alguns casos, para evitar a profanação do corpo daqueles que haviam tombado em combate. Manifestações de luto entre os romanos incluíam alguns rituais que variavam conforme a posição social do falecido, ainda que a queima de aromas junto ao corpo fosse uma prática frequente. De qualquer modo, os ancestrais mortos eram cultuados pela família, que, a cada refeição, oferecia a eles, no altar doméstico, vinho e alimentos, na suposição de que, de alguma forma, participavam desse momento de convívio com os parentes. 
Júlio César, em representação
do Século XVI (³).
Séculos afora, essa tradição foi mantida, ao menos nas famílias patrícias (²). Contudo, deve-se notar que a divinização dos ancestrais, reverenciados como deuses Manes, era uma prática religiosa restrita ao círculo familiar, não o culto ou religião pública, na qual eram venerados os deuses do panteão greco-romano. Abriu caminho, todavia, para que figuras importantes do mundo político fossem também divinizadas. César, por exemplo, foi, por decisão do Senado, incluído entre os deuses (⁴). A lista de divindades, a partir disso, foi inflacionada, à medida que cada imperador morria - coisa que, no dizer de Plínio, nada mais era que vaidade humana,
"[...] adorando espíritos e tornando um deus àquele que deixou de ser um homem" (⁵).

(1) Cf. HEKLER, Anton. Die Bildniskunst der Griechen und RömerStuttgart: Julius Hoffmann, 1912, p. 133. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog. 
(2) A chegada do Cristianismo mudou gradualmente esse cenário, ao introduzir um novo conceito, o da ressurreição dos mortos (...Et expecto resurrectionem mortuorum...).
(3) Cf. CAVALIERI, Giovanni Battista. Romanorum Imperatorum effigiesRoma: Vincentium Accoltum, 1583. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(4) Cf. SUETÔNIO. De vita Caesarum, Livro I. 
(5) PLÍNIO, o Velho. Naturalis Historia, Livro VII. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias


Veja também: 

2 comentários:

  1. Muito interessante este post, que salienta, no fundo, que nas diversas culturas, ao longo do tempo, a questão da morte nunca foi pacífica. Haverá vida para além da morte? Reencarnamos? Ou, tão só, tudo acaba ali?

    tenha uma semana prazerosa, Marta :)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. "Creio na ressurreição da carne, na vida eterna"... Ooops, tem o juízo final no meio, não é? Não foi esquecimento...

      Excluir

Democraticamente, comentários e debates construtivos serão bem-recebidos. Participe!
Devido à natureza dos assuntos tratados neste blog, todos os comentários passarão, necessariamente, por moderação, antes que sejam publicados. Comentários de caráter preconceituoso, racista, sexista, etc. não serão aceitos. Entretanto, a discussão inteligente de ideias será sempre estimulada.