quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Mensagens secretas dentro de queijos

Como foi tramada a Revolta de Beckman


Século XVII, ano de 1684: estava em curso a chamada Revolta de Beckman, no Maranhão. Valendo-se da ausência do governador que exercia o mando em nome do rei de Portugal, homens da elite econômica, liderados por Manuel Beckman, se rebelaram e obtiveram, durante algum tempo, o controle da capital, São Luís.
As causas dessa revolta, dentre outras, foram:
  • A insatisfação com o monopólio concedido pelo governo português a uma espécie de companhia de comércio, que teria exclusividade em vender o que vinha do Reino e, também com exclusividade, o direito de comprar aquilo que se produzisse no Maranhão, tendo em vista o mercado externo. Disso resultavam desvantagens para a população local, porque os valores oferecidos para compra eram considerados muito baixos, enquanto os preços cobrados por tudo o que se vendia eram demasiadamente elevados;
  • A elite econômica, quase toda agrária, pretendia a expulsão dos jesuítas, por sua insistência em lutar contra a escravização de indígenas. Senhores de engenho, por exemplo, julgavam que era impossível produzir açúcar se não dispusessem de mão de obra escrava.
Mas, voltando a falar do idealizador e líder da rebelião, somos informados por Bernardo Pereira de Berredo e Castro (¹) que, estando Manuel Beckman fora da capital, em uma fazenda de sua propriedade, tramava a insurreição com alguns de seus aliados, tendo o cuidado de enviar a eles mensagens secretas. Até aqui, nada surpreendente, se considerarmos os riscos envolvidos, dos quais os rebeldes estavam cientes. Curioso, mesmo, era o modo de fazer chegar a eles os ditos comunicados: "[...] assistido ainda dos mesmos confidentes, comunicou a outros a resolução que havia tomado, porém com tal cautela, que meteu os avisos em queijos de vacas, de que abundava a mesma fazenda; até que satisfeito das operações da sua indústria, passou à cidade de São Luís, para lhes dar mais alma com a sua presença." (²)
Sim, os revoltosos de fato tomaram o controle da cidade, promovendo um levante popular que parecia ter alguma probabilidade de êxito; também expulsaram os odiados jesuítas - mas não para sempre. Como se sabe, quando finalmente as autoridades lusitanas recobraram as rédeas do governo (³), Manuel Beckman pagou com a vida, e não sozinho, a audácia de atentar contra a ordem colonial. Não se imagine, porém, que o efêmero movimento por ele liderado tivesse qualquer viés de independência. Estavam em questão apenas problemas locais, suscitados, em grande parte, pelo modo como, economicamente, se deu a colonização.

(1) Berredo foi, mais tarde, governador do Maranhão e Pará. Com amplo acesso à documentação existente na época, escreveu os Anais Históricos do Estado do Maranhão
(2) BERREDO, Bernardo Pereira de. Anais Históricos do Estado do Maranhão, Livro XVIII. Lisboa: Officina de Francisco Luiz Ameno, 1749, p. 590.
(3) Não é incomum que o apoio das massas às causas rebeldes não seja duradouro, um fenômeno talvez explicável pelo temor às possíveis represálias.


Veja também:

4 comentários:

  1. Pormenores que desconhecia duma certa colonização, com suas oposições, embora não estranhe as consequências para quem se limita a ter uma visão local, e não global. É que o poder, seja em que latitude for, não costuma perdoar.

    Fique bem, Marta :)

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    Respostas
    1. O poder é muito sedutor, daí a disputa por ele. Quanto aos resultados... Você tem toda razão.

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