A falta de água potável em navios nos séculos XV e XVI estava entre os maiores pesadelos dos marinheiros. Afinal, era água e mais água ao redor, mas os sedentos marujos não podiam nem pensar em bebê-la, porque era salgada.
Assim, facilmente se explica por que razão, a cada oportunidade, iam todos os navegantes "fazer aguada", ou seja, abastecer os tonéis de água, ainda que, no momento, não houvesse falta. Na Carta de Caminha, relata-se que, mesmo antes que alguém fosse mandado a terra e que, desse modo, se fizesse o descobrimento oficial do Brasil, procurou-se um lugar favorável para aportar em busca de água e lenha, reconhecendo o escrivão que, naquele momento, não tinham escassez dessas coisas: "Fomos ao longo da costa [...], para ver se achávamos alguma abrigada e bom pouso onde ficássemos, para tomar água e lenha, não por nos já minguar, mas por nos prevenirmos aqui". Navegantes experientes, os portugueses sabiam que, diante de tanta e tão boa água, valia a pena abastecer os navios, pelo risco de não terem como fazê-lo mais tarde, quando prosseguissem no rumo das Índias.
Se estavam em alto mar e faltava água, só havia uma coisa que os marinheiros podiam fazer, e era suplicar aos céus por chuva. Quando ela vinha, os navegadores usavam recolher cada gota, do melhor modo que podiam. Um método era estender lençóis no convés e, cessando a chuva, torcê-los, para recolher o líquido. Segundo Jean de Léry, foi esse o procedimento adotado quando fazia a viagem de regresso à França em 1558, porque no navio estava disponível, diariamente, apenas um copo pequeno de água imunda para cada um. A sede era tanta que até mesmo a água que escorria pelo convés era recolhida e sofregamente ingerida, ainda que muito suja. Bernal Díaz del Castillo, um soldado que se tornou famoso ao escrever sobre a chamada "conquista do México" por Hernán Cortés, da qual participou, fez o registro de experiência similar. "Digo que tanta sede passamos", afirmou (¹), "que na língua e na boca, tão secas, tínhamos rachaduras, pois nada havia para refrigério" (²).
Situação análoga foi provada pelos homens que, com Pedro Sarmiento de Gamboa, contornaram a Patagônia e, no rumo da costa da África, chegaram à Europa (³). O relatório da viagem diz que, em certo dia, já em direção aos arquipélagos perto da África, "[...] às dez da noite caiu um grande aguaceiro, do qual se tomou alguma água, o que foi grande consolo, porque o calor era excessivo e pouca a água que tínhamos, já bastante racionada" (⁴).
Quando, afinal, chegaram ao arquipélago de Cabo Verde, a população local apenas se convenceu quanto à veracidade da viagem que diziam ter feito em razão do péssimo aspecto que tinham os marinheiros, com cabelo e barba que não viam a ação de tesoura ou navalha há muito tempo. Mas Pedro Sarmiento, ao dar conta do sucedido, concluiu: "[...] vínhamos mais cobiçosos de água que de parecer lindos" (⁵).
(1) Bernal Díaz del Castillo foi um soldado espanhol que participou da expedição de Cortés. Escreveu a obra muitos anos depois, já em idade avançada.
(2) CASTILLO, Bernal Díaz del. Verdadera Historia de los Sucesos de la Conquista de la Nueva España. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(3) Entre 1579 e 1580.
(4) GAMBOA, Pedro Sarmiento de. Viage al Estrecho de Magallanes. Madrid: Imprenta Real de la Gazeta, 1768, p. 314. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(5) Ibid., p. 343.
Quase parece uma tragédia grega: ter sede, estar rodeado de água e não a poder beber.
ResponderExcluirQue tempos, Marta! Mas plenos de aventuras, sem dúvida.
Abraço
Aventura e sofrimento, que ajudaram a fazer o mundo tal qual o conhecemos, não?
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