terça-feira, 12 de maio de 2020

Depois de um dia na colheita do café

Ramo de um cafeeiro
Nesse fim de tarde de maio, assim que o sol desaparece, a temperatura começa a cair. O rangido de carros de boi mostra que o trabalho, contudo, ainda não acabou. Logo, uma cantilena, vinda do sopé da serra, avisa que a escravaria, saindo do cafezal, volta, agrupada, sob os olhos do feitor. Cobertos de suor e poeira, repetem e repetem a cançãozinha monótona. Um carreiro passa por eles. Risos, provocações... 
Cada um traz nas costas um cesto alto com uma infinidade de pequenas esferas vermelhas. É parte da colheita do café, que os carros, com sua lentidão, não conseguiram levar totalmente ao terreiro. Lá é que deixarão os jacás.
Vem o jantarzinho habitual, um cozido de farinha de milho, um gole de cachaça. Às vezes, o serão e o pilão fazem parceria, quando há ordem para triturar o milho ou descascar o arroz. Continuam a cantar. Algum, mais inspirado, arrisca compor uns versos, enquanto os outros marcam o ritmo com os pés. Venta frio, uma fogueira aquece os que trabalham. O vento traz o aroma silvestre da mata próxima.
Hora de dormir. A senzala é trancada para evitar fugas. Ainda há conversas no pátio. Longe dos outros, um escravo olha as estrelas, que piscam, tão distantes, e lhe acendem na imaginação uma fagulha de liberdade.


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2 comentários:

  1. Agrada-me vê-la a aventurar-se, cada vez com maior frequência, na criação de textos que retratam situações de época.
    Gostei de acompanhar o pessoal escravo, Marta, enquanto entoavam a sua cançãozinha monótona.

    Abraço

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    Respostas
    1. Às vezes aparece uma ideia, e então escrevo uma pequena ficção histórica, tal qual esta. Tento imaginar a cena e, em palavras, apresentá-la aos leitores.

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