Os tropeiros que viajavam pelo Brasil dirigindo os bandos de mulas que transportavam mercadorias, tanto as destinadas ao consumo interno como as que seguiam para exportação, precisavam, ao fim de cada jornada, encontrar um lugar onde pudessem preparar uma refeição e abrigar-se durante a noite. Esse lugar era o pouso de tropeiros.
Não poucas cidades brasileiras têm sua origem relacionada a esses modestos galpões (no melhor dos casos), que não consistiam, em absoluto, em um tipo de hotel: se eram bons, apresentavam-se mais ou menos limpos e cobertos de telhas. Os péssimos tinham coberturas menos confiáveis e eram imundos. Quase sempre pertenciam a algum fazendeiro do lugar, que, aliás, lucrava bastante com a famigerada venda que mantinha ao lado, na qual os produtos disponíveis, quase sempre de qualidade bastante discutível, eram oferecidos a preços escorchantes.
Mas não eram apenas os tropeiros e suas mulas que paravam nos ranchos. Esses abrigos eram, geralmente, a única opção para outros viajantes, fossem eles ricos ou pobres. Também não era incomum a presença de militares que escoltavam os Reais Quintos de Sua Majestade.
Mas não eram apenas os tropeiros e suas mulas que paravam nos ranchos. Esses abrigos eram, geralmente, a única opção para outros viajantes, fossem eles ricos ou pobres. Também não era incomum a presença de militares que escoltavam os Reais Quintos de Sua Majestade.
Assim, pode-se dizer que um rancho de tropeiros era um espaço algo "democrático" para a época: nele pousavam todos os viajantes que, ao entardecer, achavam-se em viagem por uma dada região e que não pudessem encontrar refúgio em casa de algum conhecido, de modo que sob um mesmo teto reuniam-se homens livres e escravos, gente de origem europeia, africanos ou seus descendentes e índios.
Ninguém, no entanto podia esperar muito conforto. O quase sempre rabugento Saint-Hilaire, naturalista francês que esteve no Brasil pela época da Independência, registrou, em certa ocasião, suas ideias sobre o "cuidado extremo" que o governo (sempre ele...) tinha com a conservação desses locais de pouso:
"Aquele a que chamam Rancho Grande não podia ter nome mais adequado porque incontestavelmente é o maior dos que vi desde que estou no Brasil. É coberto de telhas, bem conservado, alto acima do solo e cercado de balaustrada.
O dono é um homem imensamente rico, possuidor do mais importante cafezal da redondeza. Por um rancho sofrível que se encontra há, no mínimo, dez no mais deplorável estado. Os proprietários os alugam, com a venda contígua, por preços muito altos, e pouco se lhes dá que neles chova por todos os cantos. Tenho quase tanto medo da chuva quando estou num rancho do que quando fora. É verdadeiramente inconcebível que o governo não tome alguma providência a tal respeito e tampouco do que tanto interessa ao comércio, a ponto de nem proporcionar aos que transportam mercadorias pelas mais frequentadas estradas, lugares onde as possam abrigar à noite, sem temer que a chuva as avarie." (¹)
Note-se que, desde a época da mineração, os ranchos tinham-se feito necessários por toda a rota do chamado "Caminho das Minas", e nem por isso a condição deles era lá muito boa. Alguns, no entanto, podiam ser um pouco melhores. Antonil, por exemplo, referindo-se ao Caminho Novo das Minas, relatou haver um rancho importante nas proximidades do rio Paraibuna:
"Daqui se passa ao rio Paraibuna em duas jornadas, a primeira no mato e a segunda no porto, onde há roçaria e venda importante, e ranchos para os passageiros de uma e outra parte. É este rio pouco menos caudaloso que o Paraíba: passa-se em canoa." (²)
À noite, depois que se acomodava a bagagem, provia-se alimento para os animais e os homens e, então, não raro os tropeiros tinham lá seu momento de lazer. É o que se depreende deste relato de Hércules Florence, referindo-se às tropas que se reuniam em Cubatão:
"Acontece que quando muitas delas ali se reúnem, os camaradas se congregam todos para dançarem e cantarem a noite inteira o batuque. Gritam a valer e com as mãos batem cadencialmente nos bancos em que estão sentados. Assim se divertem." (³)
Rancho para pouso de tropeiros de acordo com gravura de M. Rugendas (⁴) |
(1) SAINT-HILAIRE, A. Segunda Viagem a São Paulo e Quadro Histórico da Província de São Paulo. Brasília: Ed. Senado Federal, 2002, p. 122.
(2) ANTONIL, André João (ANDREONI, Giovanni Antonio). Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e Minas. Lisboa: Oficina Real Deslandesiana, 1711, p. 165.
(3) FLORENCE, Hércules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. Brasília: Ed. Senado Federal, 2007, p. 3.
(4) RUGENDAS, Moritz. Malerische Reise in Brasilien. Paris: Engelmann, 1835. O original pertence à Biblioteca Nacional; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
Veja também:
Veja também: