sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Condenados a degredo que enriqueceram no Brasil

A pena de degredo podia ter efeito favorável sobre os condenados que eram mandados ao Brasil


Entre as críticas que se fazem à colonização do Brasil há uma, muito frequente, segundo a qual o Reino se livrava de gente de maus hábitos, condenando-os a degredo na América do Sul. Portanto, afirmam alguns, os defeitos de hoje poderiam ser facilmente explicados por tão infausto povoamento.
Será, mesmo? Talvez a ideia seja surpreendente, mas houve quem, no começo do Século XVII, afirmasse que os condenados a cumprir pena de degredo no Brasil somente eram criminosos porque não tinham condições razoáveis de vida em Portugal, e que a mudança de ares foi, para eles, em extremo salutar: teriam mudado de vida e prosperado no Brasil. Pelo menos é que se se encontra nos Diálogos das Grandezas do Brasil (¹). Diz Alviano, no Diálogo Terceiro:
"[...] sabemos que o Brasil se povoou primeiramente por degredados e gente de mau viver [...]." (²)
Responde Brandônio (está dada a licença para o riso dos leitores):
"Nisso não há dúvida. Mas deveis de saber que esses povoadores, que primeiramente vieram a povoar o Brasil, a poucos lanços, pela largueza da terra deram em ser ricos, e com a riqueza foram largando de si a ruim natureza, de que as necessidades e pobrezas que padeciam no reino os faziam usar. E os filhos dos tais, já entronizados com a mesma riqueza e governo da terra, despiram a pele velha, como cobra, usando em tudo de honradíssimo termo, com se ajuntarem a isto o haver vindo depois a este Estado muitos homens nobilíssimos e fidalgos, os quais se casaram nele, e se ligaram em parentesco com os da terra, em forma que se há feito entre todos uma mistura de sangue assaz nobre. [...]" (³) 
Ora, meus amigos leitores, embora seja verdade que houve degredados que se estabeleceram muito bem no Brasil e, por nenhum modo, quiseram voltar a Portugal após o cumprimento da penalidade, também é fato que nem todos eles eram pobres ou condenados por delitos decorrentes de uma existência miserável. Alguns, por exemplo, eram sentenciados por ações que hoje consideraríamos de natureza religiosa, e gente politicamente correta de nosso século não veria nelas qualquer irregularidade. Cabe notar, também, que nem todos os colonizadores eram gente punida com degredo. Muitos vieram por vontade própria, fosse pela sede de aventura, fosse pelo sonho de enriquecer nas novas terras encontradas na América. Finalmente, a suposição de nobreza de muitos colonizadores até parece coisa da Capitania de São Vicente, ainda que não fosse, porque o autor dos Diálogos, a que aqui nos reportamos, não tinha muito conhecimento quanto ao que sucedia nas terras mais ao sul. Depreende-se de seus escritos que foi um homem cuja vivência colonial esteve restrita às capitanias do Nordeste. 

(1) A autoria é atribuída, com razoável probabilidade, a Ambrósio Fernandes Brandão.
(2) BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das Grandezas do Brasil. Brasília: Edições do Senado Federal, 2010, p. 172.
(3) Ibid.


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