quinta-feira, 2 de maio de 2019

Uma forca junto ao rio Tamanduateí

Não havia, ao que parece, nenhum prisioneiro sentenciado à morte aguardando execução. Apesar disso, o procurador da Vila de São Paulo do Campo de Piratininga compareceu à sessão da Câmara em 27 de maio de 1587 com este requerimento, registrado na ata correspondente: "[...] requereu aos ditos oficiais (¹) mandassem levantar forca porque não havia, e os ditos oficiais responderam que assim o fariam, que se levantasse e pusesse logo com brevidade [...]." (²)
O objetivo de maior probabilidade para que se erguesse o lúgubre instrumento de suplício à vista de todos, além do aspecto legal, era que fosse um fator de dissuasão para a gente audaciosa que proliferava sobejamente na vila. Haveria, contudo, sub-reptícia intenção de amedrontar alguém em particular? É difícil saber, mas não deixa de ser intrigante que juízes e vereadores de São Paulo - "homens-bons" da Vila - tantas vezes reticentes no atendimento aos pedidos do procurador, ao menos neste caso tenham agido com rapidez, pelo que sê lê na ata de 30 de maio de 1587, apenas três dias, portanto, após a solicitação de que se erguesse uma forca: "[...] o procurador [...] Afonso Dias requereu a mim escrivão desse fé como a forca desta vila estava levantada fora da vila, junto do rio Tamanduateí, e dou fé, eu, escrivão, ser verdade estar levantada a dita forca, que eu a vi, hoje, dito dia, levantada [...]."
Por que teriam colocado a forca fora dos muros da vila? É certo que a localidade era, então, pequena, e é possível que não houvesse espaço dentro dos muros. Seria um modo de aterrorizar indígenas que viviam nas imediações? Talvez houvesse outros motivos... 
É bom lembrar, já concluindo, que a morte por enforcamento era, na legislação portuguesa daquele tempo, o método usual de execução na esfera secular (³). No âmbito eclesiástico, a Inquisição tinha, como regra geral, preferência por outro método, mas, até onde se sabe, seus representantes nunca tiveram ânimo de escalar o (literalmente) escabroso Caminho do Mar que conduzia a São Paulo (⁴). É provável, à luz do que se conhece sobre a conduta dos paulistas da época, que eventual tentativa dessa natureza resultasse (também literalmente) na precipitação do inquisidor e sua gente serra abaixo.

(1) Em 1587 foram juízes Afonso Sardinha e Antônio de Proença, sendo vereadores Antônio de Saiavedra e Manuel Fernandes. O procurador era Afonso Dias. 
(2) Os trechos citados das atas da Câmara de São Paulo foram transcritos na ortografia atual, com acréscimo das vírgulas indispensáveis à sua compreensão.
(3) Em casos específicos, outros métodos eram aplicados.
(4) Ainda que missionários jesuítas, em desentendimentos nada incomuns com os "mamelucos de São Paulo", usassem ameaçá-los com as penas do Santo Ofício, uma vez que as do purgatório e do inferno já não eram recurso eficiente para intimidação.


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