terça-feira, 27 de março de 2018

Jesuítas acampavam quando iam ao sertão

Tendo indígenas como guias, missionários jesuítas foram, em diversas ocasiões, a vanguarda da exploração do território brasileiro por europeus.
Em suas expedições de catequese era frequente que precisassem acampar, uma vez que, sertão adentro, não havia povoações de colonizadores, onde pudessem encontrar abrigo quando anoitecia. Um relato escrito pelo jesuíta José de Moraes em meados do Século XVIII oferece uma ideia de como se arranjava um missionário quando precisava "baixar acampamento":
"Todos os dias antes de ser noite fazia alto com os índios que o acompanhavam, mandava armar o rancho, que era uma casa formada de paus e coberta de palha, que para tudo dão comodidade os matos do Brasil; tratavam de cozinhar o que entredia de caminho tinham morto, ou na caça ou na pesca, de que há abundância nestas terras, por serem muito destros os índios neste exercício em que rara é a vez que voltam sem trazer alguma coisa. Acabada a ceia à luz de muitas fogueiras, que faziam ao redor da casa para se defenderem das feras e de infinidade de mosquitos, que de ordinário se não atrevem a chegar junto do fogo, se deitavam a dormir até o seguinte dia de madrugada, que continuavam a sua viagem." (¹)
A vivacidade da explicação dada pelo padre José de Moraes até nos leva a imaginar, em sua rústica cabana improvisada, o que conversariam, o missionário, usualmente com um companheiro também jesuíta, e os indígenas, nessas horas em que, não fossem as palavras, ficariam apenas a ouvir os sons noturnos da floresta (²). Falariam em coisas da religião? Ouviriam com interesse as lendas e tradições indígenas? Ainda que sem pôr os sentimentos em palavras, teriam receio do caminho adiante? Embora não tenhamos resposta para tais questões, ficamos com a certeza de que os aspectos práticos da jornada deviam ocupar muito do tempo desses expedicionários que estavam dispostos a gastar a vida na propagação de suas convicções religiosas. 
Se o lugar não era favorável para arranchar, era preciso armar as redes (como os indígenas), em algum ponto nas árvores. O modo de fazer fogo era também aquele aprendido com os filhos da terra. Talvez possamos falar, portanto, em um estilo colonial de acampar, comum a jesuítas e bandeirantes, e, mais tarde, a partir do Século XVIII, adotado também por tropeiros, e aprendido, em grande parte, com os mestres ameríndios, verdadeiros especialistas em sobrevivência na variedade de paisagens naturais de que se compunha o Brasil.

(1) MORAES, José de S.J. História da Companhia de Jesus na Extinta Província do Maranhão e Pará. Rio de Janeiro: Typographia do Commercio, 1860, p. 95.
(2) Que não são exatamente tranquilizantes.


2 comentários:

  1. Talvez, quem sabe?, a fé dos Jesuítas fosse colocada à prova nestas jornadas, ou mesmo reforçada.

    Uma boa semana, Marta :)

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    1. Não é impossível que olhassem para essas viagens como autênticas peregrinações. Se é que o faziam, tinham elementos que justificavam plenamente tal pensamento.

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