Comecemos por esclarecer a quem for preciso que o significado de taberna ou taverna é exatamente o mesmo. Isto posto, acrescentemos que, no Brasil, antes que ferrovias e rodovias mudassem o perfil do transporte de carga e mesmo do deslocamento de pessoas, todo o transporte terrestre de mercadorias era feito por tropas de muares. Ao final de cada dia de viagem os tropeiros procuravam acomodar-se em ranchos, nos quais podiam descansar e preparar alguma comida. É exatamente aí que entra a taberna (ou taverna...).
Ao relatar uma viagem feita do Rio de Janeiro a Goiás em 1823, o Brigadeiro Cunha Matos observou, em relação a um determinado ponto do trajeto:
"Junto ao rancho existe uma taverna, que estava cheia de tropeiros e outros indivíduos de todas as cores, empregados em diversos serviços de jornada, e alguns cantavam e tocavam nas suas violas." (¹)
É certo que nem toda taberna estava fixada à beira de uma estrada ou trilha, nem mesmo funcionava, obrigatoriamente, junto a um rancho de tropeiros. Havia não poucas tabernas urbanas. Ocorre, porém, que os ranchos eram pontos privilegiados de venda, porque os viajantes, exaustos, estavam quase sempre dispostos a pagar por um gole de cachaça ou um petisco qualquer os valores exorbitantes que o taberneiro ousava extorquir. Não raro o dono de um rancho ou pouso de tropeiros concedia abrigo grátis a quem chegava, sabendo que iria faturar alto com a taberna que tinha ao lado.
Já as vendas tinham um repertório mais variado, e atendiam não apenas tropeiros e outros viajantes, mas também às pequenas necessidades da população fixa das redondezas. Descrevendo o "Rancho do Almeida", o mesmo autor, Cunha Matos, depois de dizer que tinha uma "venda imunda", explicou:
"Na venda do rancho existia pão, bolacha, queijo, doce de goiaba em tijolos, farinha e milho; não faltava aguardente, vinho e mais alguns gêneros." (²)
Uma descrição mais abrangente vem do inglês Richard Burton, em mais de um sentido um sujeito algo excêntrico. Burton, que esteve no Brasil durante a década de sessenta do Século XIX, afirmou que uma venda "vende de tudo, desde alho e livro de missa, até cachaça, doces e velas; às vezes é dupla, com um lado para secos e outro para molhados. Um balcão, sobre o qual se embalança uma grosseira balança, divide-a no sentido do comprimento. Entre ele e a porta, ficam tamboretes, caixas e barris virados para baixo. [...] As prateleiras de madeira sem verniz estão cheias de latas, canecas e outros recipientes, e, em ambos os lados, garrafas cheias e vazias, em pé ou deitadas. No chão, há sacos de sal e barris abertos, com rapadura e feijão, um caixote ou dois com milho, pilhas de toucinho e carne salgada, a popular "carne-seca", uma corda de fumo preto enrolada em uma estaca e garrafas e garrafões de cachaça. As mercadorias são guarda-chuvas, ferraduras, chapéus, espelhos, cintos, facas, garruchas, espingardas baratas, munição e linha de costura - na verdade tudo de que podem precisar homens ou mulheres rústicos. (...)." (⁴)
Tropeiros conversando diante de uma venda (³) |
Tabernas e vendas não eram, porém, as únicas fontes possíveis de renda para o dono de um rancho. Era possível lucrar, também, com a forragem que era fornecida aos animais de carga. Além disso, outra coisa mais ou menos comum era a existência, ao lado dos ranchos, de uma "loja de ferrador", como se dizia na época - a oficina de alguém que instalava ou ajustava ferraduras em cavalos, mulas, etc. - mais uma fonte de lucro para o dono de um rancho, portanto.
Senhores de escravos odiavam as tabernas e vendas (a menos, é claro, que fossem os donos delas). Era para lá que os cativos escapuliam, a fim de gastar o pouco dinheiro de que dispunham. Mas era nelas, também, que tinham a oportunidade de entrar em contato com escravos de outros senhores, sendo, desse modo, lugares favoráveis à fermentação de planos para fugas e rebeliões.
(1) MATOS, Raimundo José da Cunha. Itinerário do Rio de Janeiro ao Pará e Maranhão Pelas Províncias de Minas Gerais e Goiás. Rio de Janeiro: Typ. Imperial e Constitucional, 1836, p. 7.
(2) Ibid., p. 13.
(3) __________ Brasilian Souvenir. Rio de Janeiro: Ludwig & Briggs, 1845. O original pertence à BNDigital; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(3) __________ Brasilian Souvenir. Rio de Janeiro: Ludwig & Briggs, 1845. O original pertence à BNDigital; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(4) BURTON, Richard. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. Brasília: Senado Federal, 2001, p. 138.
Veja também:
Uma descrição tão vívida, que quase consegui imaginar-me no meio de tal parafernália.
ResponderExcluirA oportunidade faz o negócio, verdade?
Abraço
Ruthia d'O Berço do Mundo
Certamente. Há mais ou menos uns vinte anos, vi uma dessas "vendas" que ainda existia no interior de Minas Gerais. Há lugares onde o tempo parece correr em câmera lenta.
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