segunda-feira, 11 de maio de 2015

Preparando as crianças livres para a vida sem escravos

Para quem vinha ao mundo em uma família de boa situação social e econômica - mais especificamente no Brasil - até meados do Século XIX, devia parecer a coisa mais normal do mundo ser servido ou servida por escravos o tempo todo. Era fato corriqueiro, nesses casos, "presentear" o menino branco com um pajem escravo, ou a meninazinha branca com uma "perfeita mucama", pouco mais velha que ela, que devia ajudá-la a banhar-se e vestir-se, fazendo-lhe sempre companhia.
Ora, diante do inevitável fim da escravidão, que se evidenciava desde a lei de 28 de setembro de 1871 (Lei do Ventre Livre), tornou-se nítida a necessidade de preparar as crianças para a vida em um mundo sem escravos. Era preciso que deixassem de lado a mania de ter alguém que lhes servisse e, em todo o tempo, lhes atendesse aos caprichos. É certo que, no mundo pós-abolição, empregados poderiam ser contratados, mas jamais seriam como os escravos, obrigados à obediência sob a coerção do chicote ou da palmatória (¹).
Em um livro de leitura destinado à instrução primária, dizia a autora, Guilhermina de Azambuja Neves:
"Referiram-me um destes dias o fato de uma menina, que achou-se em grandes dificuldades para vestir-se, porque a sua mucama adoecera.
Não é verdade, meu filho, que ela não passaria por tal, se a tivessem acostumado a levantar-se e vestir-se só?
É tão cômodo e agradável poder a gente passar sem serviços alheios, e servir-se a si mesmo!" (²)
Notável mudança ideológica, não acham, senhores leitores? Entre palavras e fatos, porém, ia uma grande distância, de tal modo que, mesmo após a Abolição (1888), não era difícil observar, a todo instante, resquícios do velho sistema escravista e da mentalidade que o respaldava.

(1) A palmatória era usualmente o instrumento de castigo que se empregava para escravos domésticos.
(2) NEVES, Guilhermina de Azambuja. Entretenimentos Sobre os Deveres de Civilidade 2ª ed.
Rio de Janeiro: 1875, p. 74. O exemplar consultado pertence à BNDigital.


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2 comentários:

  1. As mentalidades demoram várias gerações a mudar. Há dias li um fantástico artigo na National Geographic sobre a crescente necessidade de açúcar da humanidade e como isso teve consequências na exploração das colónias e ilhas que iam sendo descobertas. A flora local foi completamente arrasada para dar lugar às plantações da cana do açúcar cuja utilização, imagine-se, foi difundida pelos árabes...
    E esta história está igualmente ligada à necessidade de escravos, claro.
    Mas estou a divagar. Gostei muito do post, felizmente hoje as crianças vestem-se sozinhas.
    Beijinho, uma linda semana
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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    1. Nos engenhos de açúcar do Brasil Colonial as caldeiras funcionavam ininterruptamente e, para isso, consumiam muita madeira. O problema ficou tão sério que os governadores que vinham do Reino traziam ordens expressas para que não se permitisse a construção de engenhos demasiado próximos. Ou seja, devido à demanda de açúcar, já no Século XVIII o desmatamento era visto como um problema muito sério.
      Quanto às crianças, seria ótimo que todas se vestissem sozinhas e sem exigências do tipo "quero aquela ali...", "não, aquela outra...", e por aí vai. Não é o que eu tenho visto rsrsrsrsrsssss

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