segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

O primeiro convento de freiras em Salvador

Por muito tempo os colonos que viviam em Salvador, a primeira capital do Brasil, insistiram com o governo português no sentido de obter permissão para que se criasse na Bahia um convento para mulheres. A tal permissão era, no entanto, persistentemente negada, sob a alegação de que era inconveniente encerrar mulheres em um convento quando a terra precisava ter sua população aumentada...
A autorização só aconteceu em 6 de julho de 1665, saindo de ninguém menos que o rei D. Afonso VI, a quem eram atribuídas severas limitações mentais (e também físicas...) decorrentes de uma enfermidade que tivera ainda na infância. O fato é que, com seu aval, a Bahia e o Brasil vieram a ter seu primeiro convento para mulheres.
Com alguma restrição - poderiam ser admitidas no máximo cinquenta freiras (*) - o convento de Irmãs de São Francisco foi estabelecido com a ajuda de quatro religiosas de Évora enviadas à Bahia, que prepararam as primeiras noviças e elegeram Madre Marta de Cristo como superiora. Consta que as quatro retornaram ao convento de origem em Portugal no ano de 1686. 
Alguém poderá perguntar por que é que os moradores de Salvador e adjacências desejavam tanto um convento. Costumes da época dão a resposta: meninas que se recusavam peremptoriamente a um casamento ajustado pelo pai eram mandadas, não raro, para uma dessas instituições, assim como aquelas de quem se suspeitava algum relacionamento não sancionado pela família. Eram também destino de mulheres idosas e/ou viúvas, e de muitas outras infelizes condenadas a passar a vida quase sem ver a luz do sol. Poucas eram as que entravam para um convento por vontade própria, com o que se poderia chamar de autêntica vocação religiosa. Isso valia, é claro, não apenas para esse primeiro estabelecimento de Salvador, mas para a maioria dos conventos e "recolhimentos" existentes no Brasil Colonial.
Cumpre dizer, concluindo, que famílias respeitáveis, de muitas posses e considerável tradição tinham orgulho em dizer que tal ou qual filha, neta, sobrinha - uma parente qualquer - era religiosa desta ou daquela ordem. Era fator de prestígio, não muito diferente de ter um filho padre ou mesmo religioso conventual. No caso das mulheres, funcionava, além disso, como instrumento de repressão. Um a mais, apenas, em tempos nos quais se recomendava às casadas "de bem", que vivessem reclusas em suas casas, para evitar qualquer suspeita ou ciúme dos respectivos maridos.

(*) Nas décadas subsequentes esse número seria fartamente ultrapassado.


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2 comentários:

  1. Coitadas. Se bem que, bem vistas as coisas, provavelmente muitas seriam mais felizes ali do que sob a autoridade tirânica de um marido ou pai.
    Já disse que sou muito feliz por ter nascido no século XX. Pois, sou mesmo.
    Beijinhos,
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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    Respostas
    1. À menor suspeita de adultério (não era preciso haver prova), o patriarca reunia os homens da família e avisava que a infeliz (mãe, esposa, filha, sobrinha, cunhada, nora sogra, etc.) seria morta - a discussão ficava por conta do método de assassinato. A justiça era fraca demais para enfrentar os régulos que se achavam donos do mundo. Já faz um tempo que estou preparando um material sobre esses casos cabeludos - é possível que venha a ser livro. Vamos ver...

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