Começo hoje uma pequena série - pequena, é verdade, mas de arrepiar os cabelos. Trataremos, senhores leitores, de alguns "remédios" que eram ministrados a quem adoecia, em tempos nos quais a ciência não tinha exatamente os mesmos padrões de hoje, remédios esses que, logo se verá, eram muito eficazes. Eficazes para acelerar a morte dos doentes.
Não por acaso, qualquer pequena enfermidade já era motivo para mandar chamar um padre, cuja função era preparar o doente para o que se dizia "uma boa morte", em paz com Deus e com os homens. Depois, naturalmente, se o paciente tivesse recursos para tanto, vinha o "médico", que muitas vezes jamais tinha feito um curso de Medicina ou qualquer coisa que com isso se parecesse. O "doutor" (!!!!!) era, pelas alturas dos Séculos XVI, XVII, XVIII, XIX, muitas vezes o barbeiro que mais próximo residia, cuja função era aplicar sangrias. Acreditem ou não, leitores, achava-se que febre ocorria por excesso de saúde e, portanto, era necessário remover uma parte da vitalidade (o sangue, entendia-se), para resolver o problema. Muitas vezes, a febre baixava mesmo. De uma vez por todas.
Diante de tamanho absurdo, não chega, portanto, a ser um espanto que as pessoas pusessem em uso receitas caseiras, que, pelo menos, se não curavam, nem sempre matavam. Eram apenas inócuas. Com o tempo, empiricamente, foi-se observando que algumas coisas pareciam funcionar melhor que outras. Um caminho lento, é verdade, e também pontilhado de desastres, que abriu espaço para o surgimento da ciência como hoje a entendemos, com meios teóricos e práticos para investigar com maior rigor, o que não significa que o método da tentativa e erro tenha desaparecido. Muito ao contrário, como se sabe.
Finalmente, para estrear dignamente a série, vai aqui uma receita proposta pelo chef Lucas Rigaud (Século XVIII) em Cozinheiro Moderno ou Nova Arte da Cozinha (¹); creio ser desnecessário lembrar que ninguém deve tentar a dita receita para propósitos medicinais...
GELEIA DE RASPAS DE VEADO
"Lavadas as raspas de veado, ponham-se a ferver cinco ou seis horas; em estando cozidas e o caldo reduzido a uma consistência bastante forte, deite-se tudo em um pano e esprema-se; depois tempere-se com açúcar, sumo de limão, canela e um pouco de vinho branco, parecendo-lhe; leve-se outra vez ao lume com claras de ovos batidas, e em levantando fervura, passe-se duas ou três vezes por um guardanapo, e em estando clara e pegada, sirva-se como as mais. Esta geleia é admirável para quem deita sangue pela boca, para os que têm vômitos e diarreias." (²)
"Lavadas as raspas de veado, ponham-se a ferver cinco ou seis horas; em estando cozidas e o caldo reduzido a uma consistência bastante forte, deite-se tudo em um pano e esprema-se; depois tempere-se com açúcar, sumo de limão, canela e um pouco de vinho branco, parecendo-lhe; leve-se outra vez ao lume com claras de ovos batidas, e em levantando fervura, passe-se duas ou três vezes por um guardanapo, e em estando clara e pegada, sirva-se como as mais. Esta geleia é admirável para quem deita sangue pela boca, para os que têm vômitos e diarreias." (²)
(1) Conforme esta edição: RIGAUD, Lucas. Cozinheiro Moderno ou Nova Arte da Cozinha. Lisboa: Typografia Lacerdina, 1826.
(2) Ibid., p. 382.
Veja também:
Interessantíssimo! Realmente, esta e as outras receitas são de arrepiar os cabelos!
ResponderExcluirSão mesmo. E há muitas outras, nas próximas postagens vou mostrar mais algumas.
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