domingo, 14 de julho de 2013

Aí vem o lobo mau!

Lobos como caçadores e como caça através dos tempos


"La raison du plus fort est toujours la meilleure: Nous l'allons montrer tout à l'heure."
                                                                                   Jean de La Fontaine, Le Loup et l'Agneau
 
Belos, mas temidos e, por isso mesmo, detestados, os lobos têm desde muito tempo frequentado lendas, fábulas e mais histórias. São retratados como pérfidos, traiçoeiros, dispostos a qualquer coisa para agarrar a presa pelo pescoço e, pior que um lobo, só muitos lobos juntos: quando se pensa que um lobo está sozinho, pode-se, na verdade, contar com uma alcateia nas proximidades. Seu uivo, rompendo o silêncio de uma noite invernal, é capaz de provocar calafrios mesmo nos mais corajosos dentre os humanos, e isso desde tempos imemoriais.
Esopo, na Antiguidade, colocou lobos em muitas de suas fábulas. É o caso, por exemplo, de "O Lobo e o Grou" (¹), "O Lobo e o Cachorro" (²) ou "O Lobo e o Cabrito" (³). A mais conhecida delas, porém, é, a meu julgar, a chamada "O Lobo e o Cordeiro": um lobo acusa, injustamente, um cordeiro de sujar a água que iria beber, mas isso não passa de reles pretexto para o que de fato pretende e acaba por fazer: jantar o animalzinho inocente. Curiosamente, para Esopo, havia só um animal que era capaz de superar um lobo em esperteza e maldade. A raposa!
Em tempos modernos, La Fontaine retomou as fábulas de Esopo e vestiu-as com versos em língua francesa.
Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Mau, em ilustração
de Paul Menerheim (⁷)
A mais célebre história envolvendo um lobo - o que pensam, leitores? - é provavelmente aquela que, na versão dos Irmãos Grimm, correu e corre ainda o planeta, e quase não há quem não a conheça. "Rotkäppchen", ou "Chapeuzinho Vermelho", nome que recebeu no Português do Brasil, não foi, certamente, inventada pelos dois estudiosos das tradições populares germânicas, pois em variadas formas já era contada em muitos lugares da Europa e, no Século XVII, teve uma versão impressa, de autoria de Charles Perrault, que teria reduzida probabilidade de agradar às crianças de hoje, uma vez que o lobo devorava a menina e ponto final. Na versão principal recolhida e contada pelos Irmãos Grimm (⁴), o lobo, abatido por um caçador, passa, digamos, por uma cirurgia, e de seu abdômen saem, vivíssimas (!!!), a vovó e a Chapeuzinho Vermelho...
Desnecessário é dizer que a mania do "politicamente correto" já acarretou versões mais ecológicas deste conto (supostamente) infantil; todo mundo sabe, também, que essa historinha aparentemente ingênua tem-se prestado a intermináveis estudos e debates sobre o comportamento humano. Mas, voltando ao assunto dos lobos, a antiga legislação portuguesa tinha, para eles, uma solução que causaria um certo espanto atualmente. É o que se vê no Livro Primeiro das Ordenações do Reino, Título 65, § 21 (⁵). Assumindo que os lobos causavam problemas à segurança das pessoas e ameaçavam rebanhos, caçá-los era não só permitido, mas incentivado, mediante premiação:
"E porque os lobos fazem grandes danos aos gados, havemos por bem que o homem que matar lobo velho, haja por cada um três mil réis, e por lobo pequeno, quinhentos réis. E o que emprazar cachorros (⁶) e os mostrar, haja quatrocentos réis, do qual prêmio se pagará a metade à custa da nossa Fazenda, e a outra à custa do povo, em cujo termo forem mortos. E o matador mostrará a cabeça e a pele do tal lobo ao juiz do lugar, o qual mandará fazer disso assento, e passará mandado para o almoxarife pagar logo a dita quantia à tal pessoa. [...]."
Problemas causados à parte, neste caso os lobos, quase sempre vilões da história, viam-se transformados em vítimas, com as cabeças literalmente postas a prêmio.

(1) Um grou salva a vida de um lobo que estava com um osso entalado na garganta. O ingrato, no entanto, depois de ver-se livre do perigo, maltrata a ave.
(2) Cansado de viver na penúria, à procura de caça, um lobo interroga um cão sobre seu aspecto excelente. Este lhe explica que tudo recebe do dono, mas acaba revelando que é obrigado a usar uma coleira, para que o prendam quando bem entenderem.
(3) Um lobo tenta enganar um cabrito, fazendo-se passar por sua mãe.
(4) São, na verdade, duas versões, e que aparecem, ambas, em Kinder und Hausmärchen.
(5) Sistematização de leis publicada, pela primeira vez, no início do século XVII. Seguiu-se a edição de 1824 da Universidade de Coimbra, sendo o texto trancrito no Português atual do Brasil.
(6) Filhotes de lobo.
(7) GRIMM, Jacob et Wilhelm. Kinder und Hausmärchen. Gütersloh: Bertelsmann, 1893. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


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