Lobo-guará (isto seria um sorriso... Ou não? Talvez estivesse com sono...) |
"A 17 se matou um lobo, que era do tamanho de um cão ordinário, e pelo avermelhado, a cabeça mais curta, a boca menos rasgada, e os dentes mais pequenos que os nossos costumam ter; e também parece não serem tão sagazes, porque o mataram à queima-roupa, parado de um perdigueiro, e quieto." (¹)
Vale notar, porém, que o Conde faz referência à sagacidade atribuída aos lobos cinzentos (veja a postagem anterior) e, em seu entendimento, o guará não se lhes equiparava neste atributo. Mas não é só. Ao lado de muitas outras dessemelhanças, cumpre notar que o guará tem hábitos solitários. Não se verá, por aí, nenhuma alcateia de guarás...
Em obra publicada na segunda década do Século XIX, o Padre Ayres de Casal também mencionou o guará, apontando, igualmente, algumas distinções entre ele e os lobos conhecidos na Europa:
Crânio de lobo-guará (⁵) |
Estimam-se-lhe a pele e os dentes!!! Neste caso, as eventuais semelhanças entre o guará e os lobos devem ter valido ao pobre canídeo da América do Sul a perseguição implacável que a legislação do Reino fomentava, mediante premiação à caça, que se movia aos lobos de Portugal, conforme se mencionou na postagem anterior. Não se espanta, pois, que já no começo do século XIX, Ayres de Casal dissesse não serem os guarás muito numerosos.
A caça ao guará podia, também, ser motivada, digamos, por interesse científico, conforme se depreende deste relato de Hércules Florence, desenhista da Expedição Langsdorff, realizada entre 1825 e 1829:
"Fez-se alto de jantar às 10 horas, para ter tempo de empalhar um lobo que fora morto à bala. Era do tamanho dos da Europa e estava bastante magro, prova de que apesar da abundância de veados e caititus, cuja carne é deliciosa, pouco achava que comer." (⁴)
Sim, meus leitores, mais uma evidência de que a vida destes animais não era nada fácil. E continua a não ser. Não são raras, atualmente, as notícias na imprensa de São Paulo, relativas a guarás atropelados e mortos nas rodovias que cruzam o Estado. É que, em busca de alimento, esforçam-se por ir de um pequeno trecho de mata a outro (nas poucas áreas florestadas que ainda restam) em meio às imensas extensões cultivadas e/ou habitadas e, para isso, arriscam-se à morte, principalmente nas horas da noite, quando acabam atingidos por algum veículo. Já se sugeriu que a existência de "corredores verdes" entre as áreas de mata poderia ser útil à preservação de uma grande variedade de espécies, e não apenas de guarás. Seja como for, é inegável que a crescente urbanização e expansão agrícola, sem o necessário planejamento em termos de preservação ambiental tem feito muitas vítimas, sendo o guará uma dentre elas.
(1) TAUNAY, Affonso de E. História das Bandeiras Paulistas tomo 3, 3ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1975, p. 204.
(2) Está claro que Ayres de Casal não tinha qualquer compreensão quanto à taxonomia do guará e do lobo cinzento, daí supor, erroneamente, que pudessem ser da mesma espécie.
(3) CASAL, Manuel Ayres de. Corografia Brasílica, vol. 1. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1817, pp. 63 e 64.
(4) FLORENCE, Hércules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. Brasília: Ed. Senado Federal, 2007, p. 60.
(5) O esqueleto de guará aqui retratado pertence ao acervo do Museu de História Natural de Itapira - SP.
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