Desde que o mundo é mundo os idosos acham os jovens "modernos demais" e os jovens acham os velhos "ultrapassados". Sim, leitor, há culturas em que, por tradição, os jovens reverenciam os idosos, mas isso é, em grande parte, fruto da coesão (e também da coerção) social. Prova disso é que, mesmo nas sociedades mais conservadoras, vez por outra estoura uma rebelião... Seja como for, o que se verifica com frequência é que a população de mais idade tenta preservar as antigas práticas, enquanto que os mais novos buscam, geralmente, ultrapassar antigos limites, variando apenas a velocidade com esse fenômeno ocorre, e que depende em grande parte do ritmo da mudança histórica.
Nesta postagem veremos dois cartuns que expõem, ainda que secundariamente, a visão que se tinha da juventude urbana, nos anos vinte, o que inclui expectativas quanto às figuras feminina e masculina - tudo muitíssimo diferente do que se vira em décadas anteriores. O objetivo primário era, supõe-se, provocar riso nos leitores.
Ao chegar com seus brinquedos (¹), Papai Noel é surpreendido pela menina que já não quer suas bonecas (²) - arranjou outra, mais conveniente. Contraste, leitor, as figuras masculinas dominantes e patriarcais dos dias do Império, ao garotão reduzido ao papel de "boneca". Contraste também as antigas regras de namoro e casamento, sempre conduzidos pelos pais ou, mais especificamente, pelo pai, levando em conta interesses econômicos e até políticos, com essa menina que escolhe livremente sua "boneca". Não se pode negar que as mudanças são significativas!
Mas vamos adiante. O desenho abaixo foi capa de A Cigarra, em dezembro de 1924 (³):
Expliquemos, antes de mais nada, que a expressão "almofadinha" era usada para designar o homem que se vestia com cuidado, de acordo com a última moda. O que era a última moda em 1924, depreende-se do modelo de sapato (a gíria podia ter, eventualmente, um aspecto pejorativo, indicando exagero e esbanjamento no vestir-se). Agora, observe o "presente" desejado. Cabelo muito curto, roupas justas e também curtas, joias algo extravagantes. Fico pensando em quanto isso tudo devia ser chocante para senhoras de mais idade. As meninas talvez argumentassem que essa era a moda em Paris, o que só contribuía para aumentar a confusão. Afinal, mães e avós também haviam usado a moda parisiense, principalmente sendo elas de alta posição social, e nem por isso haviam andando a constranger os circunstantes.
Não pode haver dúvidas - a Primeira Guerra Mundial varrera as velhas configurações políticas oriundas do século XIX e, no rastro, banira também velhos hábitos e costumes. De boa ou má vontade, a sociedade brasileira estava a adaptar-se às novidades. O planeta era cada vez mais um só, mas (problema de percepção, naturalmente), parecia girar de maneira muito estranha.
(1) Legenda original: "- Não, Papá Noel, este ano não preciso mais das suas bonequinhas... Arranjei agora uma boneca melhor..."
(2) A CIGARRA, 15 de dezembro de 1922.
(3) A CIGARRA, 15 de dezembro de 1924.
Veja também:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Democraticamente, comentários e debates construtivos serão bem-recebidos. Participe!
Devido à natureza dos assuntos tratados neste blog, todos os comentários passarão, necessariamente, por moderação, antes que sejam publicados. Comentários de caráter preconceituoso, racista, sexista, etc. não serão aceitos. Entretanto, a discussão inteligente de ideias será sempre estimulada.