quinta-feira, 3 de março de 2011

A escola pública primária dentro do ideal republicano - Parte 2

No Estado de São Paulo a Revista Escolar foi instrumento de divulgação do ideal republicano de educação. O trecho abaixo que apareceu no nº 24, de dezembro de 1926, sendo tradução do original francês de autoria de Isidore Poiry, nos fornece uma noção clara do pensamento que norteava a publicação:
"Urge preparar a mocidade para a ação democrática, para a colaboração inteligente de cada cidadão e, por isso, dar à escola a imagem REPUBLICANA, que é a mais ampla expressão das liberdades públicas que tanto têm custado a realizar-se através dos séculos. A criança, na escola, é o cidadão duma república escolar onde ele goza de seus direitos e cumpre seus deveres com iniciativa e consciência.
A escola deve preparar o aluno numa atmosfera de liberdade, como membro útil, ativo e eficaz da sociedade em que ele vive.
A criança deve agir e habituar-se a ter personalidade própria. A democracia só é bela quando representa uma cooperação de vontades esclarecidas e livres, e a solidariedade só é boa e efetiva quando traduz a colaboração das inteligências e das energias individuais para fins desejados em comum e dignos dos esforços de todos.
É, portanto, indispensável que a escola constitua por si mesma uma reprodução em miniatura do mundo social. [...]." (¹)
Bem antes, no entanto, que essa edição da Revista Escolar fosse entregue aos leitores, já se procurava incutir na cabeça dos alunos que frequentavam as escolas públicas o ideário considerado desejável para o exercício da cidadania. Uma prova disso é o regimento dos grupos escolares que vigorava nos primeiros anos do século XX e era distribuído aos alunos no início de cada ano letivo. Veja, leitor, como isso era ensinado através de doze regras que deveriam conduzir a vida escolar:
"1. A ESCOLA é uma grande família. Aí deve existir, para o bem estar de todos, a cordialidade e o respeito mútuo, que ligam os membros de uma mesma família.
2. OS ALUNOS maiores prestarão auxílio aos menores, tratando-os e guiando-os com o carinho de irmãos mais velhos. Devem ser o espelho da classe. Deles partirá o exemplo da amabilidade no trato, no respeito afetuoso para com os professores, das atenções para com todos, da assiduidade, da pontualidade no cumprimento do DEVER, da DECÊNCIA na linguagem e no trajar.
3. TODOS devem estar contentes na escola. É preciso que os recém-vindos não permaneçam isolados no meio de seus novos amigos e colegas. Os mais antigos na sala devem recebê-los bondosamente, pondo todo o seu cuidado em os familiarizar com os hábitos da escola.
4. A ESCOLA não tem somente por fim desenvolver a inteligência dos alunos, mas também lhes formar o caráter e educar a consciência. Uma lealdade absoluta deve regular o trabalho e a convivência dos alunos.
5. Os alunos podem gozar de grande liberdade dentro e fora da classe. Isto será bem fácil se cada um souber, no momento preciso, respeitar o silêncio e a tranquilidade que a boa marcha do trabalho pede e a própria CORTESIA ordena, quando os mestres estão a explicar ou a classe é visitada.
6. PENAS, ainda mesmo simples ADMOESTAÇÕES, devem e podem ser evitadas. Para isto é apenas preciso que OBEDECER cada um saiba, cumprindo imediata e fielmente as ORDENS recebidas.
7. MODEREM os alunos sua vivacidade nos brinquedos, para evitarem os perigos e ACIDENTES.
8. A RUA é o lugar onde mostramos melhor a educação que recebemos. Se em nossa casa particular somos corteses e COMEDIDOS nas maneiras, não danificando os objetos que a guarnecem, nem riscando suas paredes, mais o devemos ser na rua que é a casa de todos e onde tudo - pessoas e coisas - devem merecer nosso maior respeito.
9. "FAÇA O FAVOR" e 'MUITO AGRADECIDO" são expressões que se empregam a cada passo. Nada custa menos que a delicadeza.
10. UM BOM CORAÇÃO é um jardim, onde as raízes são os bons PENSAMENTOS; as flores, as boas PALAVRAS; os frutos, as boas AÇÕES.
11. É DO INTERESSE DE TODOS que o mobiliário e material escolar se conservem no melhor estado possível. Se um aluno manchar ou estragar um objeto qualquer, deve ele próprio comunicar imediatamente o fato ao professor.
12. A MAIS BELA DAS CORAGENS é aquela com que se diz a VERDADE. Sem a coragem não pode existir a VERDADE; sem a verdade, nenhuma outra VIRTUDE." (²)
Nesse caso específico, o regulamento foi entregue no Grupo Escolar de São Pedro. O Diretor do estabelecimento de ensino assinou e datou: 10 de janeiro de 1911.
Já lá se vão cem anos...

(1) REVISTA ESCOLAR - Órgão da Diretoria Geral da Instrução Pública, Ano II, nº 24, p. 3.
(2) Meus agradecimentos à administração do Museu Gustavo Teixeira, de São Pedro (SP), por permitir fotografias.

 
Veja também:

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Democraticamente, comentários e debates construtivos serão bem-recebidos. Participe!
Devido à natureza dos assuntos tratados neste blog, todos os comentários passarão, necessariamente, por moderação, antes que sejam publicados. Comentários de caráter preconceituoso, racista, sexista, etc. não serão aceitos. Entretanto, a discussão inteligente de ideias será sempre estimulada.